tag:blogger.com,1999:blog-70752869000468598122024-03-19T05:24:10.913-03:00CaséSaxofonista CaséFernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.comBlogger35125tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-79239020817822575362009-06-12T11:15:00.010-03:002010-09-14T13:37:29.577-03:00O saxofonista Casé<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;"><br />Dia 1º de dezembro de 1978, a notícia sobre o saxofonista encontrado morto num quarto de hotel estava nos principais jornais de São Paulo. Ele era Casé, um mito no meio musical. Inovador, dono de talento extraordinário e técnica irretocável, tornou-se referência para críticos e grandes instrumentistas do Brasil e do exterior. Não quis fama nem fortuna nos 46 anos de vida resumidos neste blog. Deixou poucas gravações. Algumas podem ser ouvidas aqui, na Rádio Casé.</span></span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com21tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-64959032098402722862009-04-30T16:26:00.009-03:002017-06-09T12:05:55.344-03:00Rádio Casé - Ficha Técnica<span style="color: #999999; font-size: 85%;"><span style="font-family: "trebuchet ms";"><span style="font-weight: bold;">Alfie</span> (Burt Bacharach)<br />Disco: Resalah's Band (RCA Victor, 1970).<br />Músicos: Orquestra arregimentada pelo baterista Turquinho<br />Arranjo: Chiquinho de Morais<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Bossa na Praia</span> (Pery Ribeiro/Geraldo Cunha)<br />Disco: Sadao Watanabe Meets Brazilian Friends (Columbia, 1968)<br />Músicos: Sadao Watanabe (sax alto) e Brazilian Octopus (Casé, sax alto; Carlos Alberto Alcântara, sax tenor; Waldir Arouca, trompete; Cido Bianchi, piano; Garoto, vibrafone; Alemão, violão; Mathias Matos, contrabaixo; Douglas Oliveira, bateria)<br /><br /><span style="font-weight: bold;">But not for me </span></span></span><span style="color: #999999; font-size: 85%;"><span style="font-family: "trebuchet ms";">(Ira/George Gershwin)</span></span><span style="color: #999999; font-size: 85%;"><span style="font-family: "trebuchet ms";"><br />Disco: Jazz After Midnight (Columbia, 1956, ao vivo, no Teatro Cultura Artística)<br />Músicos: Case (sax alto), Dick Farney piano, Chu Viana (contrabaixo), Rubinho Barsotti (bateria)<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Carinho e Amor</span> (Tito Madi)<br />Disco: Samba Irresistível/Casé e seu conjunto (Hi Fi Variety, 1960)<br />Músicos: Casé (clarinete), Paulo Lima de Jesus (piano), Heraldo do Monte (guitarra), Garoto (vibrafone), Xu Viana (contrabaixo), Dirceu Medeiros (bateria), Waldemar e Tizu (percussão)<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Copacabana</span> (Braguinha/Alberto Ribeiro)<br />Disco: The Good Neighbors Jazz (Columbia, 1958).<br />Músicos: Casé (sax alto), Major Holley (contrabaixo), Moacyr Peixoto (piano) e Jimmy Campbell (bateria)<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Don’t get around much anymore</span> (Duke Ellington/Bob Russell)<br />Disco: Coffe & Jazz/Brazilian Jazz Quartet (Columbia, 1958).<br />Músicos: Casé (sax alto), Moacyr Peixoto (piano), Luiz Chaves (contrabaixo) e Rubinho Barsotti (bateria)<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Ensaio de Bossa</span> (Casé)<br />Disco: Samba Irresistível/Casé e Seu Conjunto (Columbia, 19960)<br />Músicos: Casé (sax tenor), Heraldo do Monte (guitarra), Paulo Lima de Jesus (piano), Garoto (vibrafone), Xu Viana (contrabaixo), Dirceu Medeiros (bateria), Waldemar e Tizu (percussão)<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Feitio de oração</span> (Noel Rosa/Vadico)<br />Disco: Casé interpreta Noel Rosa (Columbia, 1960)<br />Músicos: Casé (sax tenor), Paulo Lima de Jesus (piano), Garoto (vibrafone), Heraldo do Monte (guitarra), Xu Viana (baixo), Turquinho (bateria), Waldemar e Tizu (percussão)<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Love walked in</span> (Ira/George Gershwin)<br />Disco: História do Jazz em São Paulo (Bandeirantes/Wea, 1978), gravado ao vivo no Teatro Cultura Artística, em 1956, por Carlos Moura<br />Músicos: Casé (sax alto), Dick Farney (piano), Xu Viana (contrabaixo) e Rubinho Barsotti (bateria)<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Menina Moça</span> (Luiz Antônio)<br />Disco: Samba Irresistível/Casé e seu conjunto (Hi Fi Variety, 1960)<br />Músicos: Casé (sax tenor), Paulo Lima de Jesus (piano), Heraldo do Monte (guitarra), Garoto (vibrafone), Xu Viana (contrabaixo), Dirceu Medeiros (bateria), Waldemar e Tizu (percussão)<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Out of nowhere</span> (Heyman/Green)<br />Disco: The Good Neighbors Jazz (Columbia, 1958).<br />Músicos: Casé (sax alto), Major Holley (contrabaixo), Moacyr Peixoto (piano) e Jimmy Campbell (bateria)<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Palpite Infeliz</span> (Noel Rosa)<br />Disco: Casé Interpreta Noel Rosa (Columbia, 1960)<br />Músicos: Casé (sax tenor), Paulo Lima de Jesus (piano), Garoto (vibrafone), Heraldo do Monte (guitarra), Xu Viana (baixo), Turquinho (bateria), Waldemar e Tizu (percussão)<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Quarto de Hotel</span><br />Disco: A virgem de Saint Tropez (Fermata, 1974).<br />Trilha de Hareton Salvanini e Beto Ruschel para o filme de Zigmund Sulistrowski.<br />Arranjo: Hareton Salvanini<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Risque</span> (Ari Barroso)<br />Disco: História do Jazz em São Paulo (Bandeirantes/Wea, 1978), gravado ao vivo no Teatro Cultura Artística, em 1956, por Carlos Moura<br />Músicos: Casé (sax alto), Dick Farney (piano), Xu Viana (contrabaixo) e Rubinho Barsotti (bateria)<br /><br />Summertime (George/Ira Gershwin)<br />Disco: Meu Baile Inesquecível (RGE, 1963)<br />Casé e seu conjunto<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Yesterdays</span> (J. Kern/O. Harbach)<br />Disco: The Good Neighbors Jazz (Columbia, 1958)<br />Músicos: Casé (sax alto), Major Holley (contrabaixo), Moacyr Peixoto (piano), Jimmy Campbell (bateria)<br /><br /><span style="font-weight: bold;">You'd be so nice to come home to</span> (Cole Porter)<br />Disco: Coffe & Jazz (Columbia, 1958)<br />Músicos: Casé (sax alto), Moacyr Peixoto (piano), Luiz Chaves (baixo), Rubinho Barsotti (bateria)</span></span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com19tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-30022549928424801232009-04-28T14:32:00.014-03:002010-09-14T16:40:28.879-03:00Agradecimentos<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" ><br /><span style="font-family:trebuchet ms;font-size:100%;">Pelo apoio, interlocução e paciência, obrigado a Marcelo Pacheco e Victor Labate. Pelos mesmos motivos, obrigado a Rosane Baptista e Edson Kioshi. Agradecimentos especialíssimos à família de Casé e aos músicos entrevistados. E a Ana e Pedro Fiorim Barros, Ana Maria Ferraz, Carlos Ferreira Lima, Cida Lichti Barros, Carlos Toledo, Cláudio Cientista, Cezar de Vasconcellos, Denilson Oliveira, Dionéia da Paixão, Família Almeida Toledo, Fabrício Corsaletti, Guilherme Lichti Barros, Homero Ferreira, João Araujo da Silva, João Batista César, Luiz Antonio Prósperi, Luis Fernando Guimarães (Lefer), Luis Fernando Verissimo, Márcio de Paula (Rádio Gazeta), Maria Antonia Camargo Lichti, Marina Barros Freitas, Marta Jardim, Miguel Filliage, Milton Michida, Milton Ohata, Odair Nascimento, Osmar Baruti, Paulo Caruso, Renato Lombardi, Renato Petri, Ricardo Matarazzo (Formiga), Tarik de Souza, Sizão Machado e Vitor Alcântara.</span></span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-41517154978541771762009-04-28T14:27:00.007-03:002010-09-14T16:39:11.811-03:00Entrevistados<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" ><br />Este trabalho não teria sido possível sem as informações prestadas por Dalva, Marli e Walter Ferreira Godinho, irmãos de Casé, e por Marli Shirlei, cunhada do saxofonista. E também por Adibi Feres Vieira, Adylson Godoy, Alfredo Sanjorgio, Altayr Ribeiro da Silva, Antonio de Almeida (Toniquinho), Amaro Zacarias da Silva (Mauro), Antonio Rodrigues de Souza (Cilinho), Apparecido de Barros (Papinha), Armando Maria, Austen Madureira Murta (Nenzinho), Benedito Pereira dos Santos (Ditinho), Bom Cabelo, Carlos Alberto Alcântara, Carlos Conde, Chiquinho de Moraes, Claudete Soares, Clécio Fortuna, Dorival Auriani (Buda), Edgar Teixeira, Eduardo Pecci (Lambari), Eduardo Araujo, Francisco Rodrigues, Franco Paioleti, Gerson Galante, Hector Bsignani (Costita), Hélio Ramiro, Hidenori Sakao, Isidoro Longano (Bolão), José Adelino Gião (Prequeté), José Antonio Egidio (Semifusa), José Atanásio dos Santos (Amendoim), José Batista da Silva Jr. (Zezinho), José Cunha de Oliveira Mourão (Boca), João Donato, Jorge Saavedra, Lenita Miranda de Figueiredo, Leopoldo de Arruda Castro (Leopoldo de Tupã), Luiz Mello, Magno D'Alcântara Pereira (Maguinho), Maria Aparecida Vaz de Lima (Mara), Maria Helena Leporace (Heleninha), Minoru Shioda, Naylor Azevedo (Proveta), Nilton de Siqueira Campos, Nilson Alcântara Pereira (Ratinho), Nivaldo Ornelas, Odésio Jericó da Silva, Olmir Stocker (Alemão), Orlando de Paula, Paulo Moura, Pedro Francisco Contesini, Pedro Rodrigues Trindade, Rádio Gazeta (SP), Rafael Galhardo Cano, Raul de Souza, Renato Cauchioli, Roberto Benedito Farath, Resala José (Turquinho), Rubens Alberto Barsotti, Severino Gomes da Silva (Bil), Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Palo, Settimo Paioleti, Silas Silva de Souza, Sylvio Mazzucca Jr., Sonia Gallo, Theo de Barros, Vanda Peres, Vicente de Salvia (Viché), Walter Batista de Azevedo, Vitor Campbell Lopes, Zé Menezes e Zuza Homem de Mello.</span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-17833957848270379162009-04-28T14:22:00.007-03:002010-09-14T16:38:36.122-03:00Capítulo 30<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">Sangue no Luiz de Camões</span></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >Na manhã do dia seguinte, 30 de novembro, Waltinho estava sentado na sala de casa, na Vila Carrão. O telefone tocou. Era Mara. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Liguei pro hotel. Disseram que o Casé está morto.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Antes de tirar o Fusca da garagem, Walter ligou para o baterista Toniquinho, diretor da Ordem dos Músicos.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Tonico, encontraram o Casé morto.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Como?</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Porrada. Bateram até matar.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Mara, Toniquinho e Wilson Sandoli, presidente da Ordem, já estavam no hotel quando Waltinho estacionou perto do número 179 da rua Aurora. Em seguida chegaram Tião, o irmão mais velho de Casé, e Elly. Waltinho apresentou-se aos policiais. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Morte natural – adiantou-se um deles. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >No chão o corpo, de cueca amarela e meias azul-marinho, expunha marcas roxas e ferimentos nos braços, na coxa direita, nas costas, na cabeça. Havia sangue lambuzando o telefone e as paredes do quarto. Sobre uma das camas, protegido pelo estojo surrado, repousava o velho saxofone levado dias antes por Ditinho e Ayres. No criado-mudo, o livro <span style="FONT-STYLE: italic">Pequenas Recordações Íntimas</span>, de Décio di Giaimo, marcava na página 45 o poema <span style="FONT-STYLE: italic">Onde está você?</span>:</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153); FONT-STYLE: italicfont-family:trebuchet ms;" >Por favor, responda meu chamar</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153); FONT-STYLE: italicfont-family:trebuchet ms;" >Saia do seu esconderijo doloroso (...) </span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153); FONT-STYLE: italicfont-family:trebuchet ms;" >Onde está você? Estará entre as sereias do mar? </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >No 2° Distrito Policial, Waltinho ouviu um comentário que lhe pareceu a antecipação do tratamento que seria dispensado ao caso:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Teu irmão estava podre.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Marly foi ao Instituto Médico Legal. Toniquinho também. “Cheiro de morte”, pensou o baterista, enquanto entrava. Viu o corpo, preso por um gancho, numa piscina de formol de onde foi retirado e posto sobre a maca. Estava costurado até o pescoço. À noite, vestido com terno azul e gravata, Casé já estava sendo velado enquanto era esperado no teatro do Hilton Hotel para substituir um músico no show de Eliana Pitman. Do grupo fazia parte o trombonista Azevedo, que após o trabalho rumou para o velório do Araçá. Lá estavam a mãe, os irmãos, os amigos chegando. Entre eles, apenas um homem desconhecido de todos. Com uma capa por cima do terno, varou a noite e no dia seguinte acompanhou o enterro até o fim. Aproximou-se de Amendoim, que tantas vezes havia estado com Casé no hotel.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Cê fica quieto, hein? – murmurou, ameaçador.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O corpo foi levado à quadra 134 e enterrado na sepultura 18. O estranho não se afastou até que todos fossem embora do cemitério.</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >***</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsTXMO9EGfGpTNnV2l_cJ1dOA1cHe-KDySweoHEKCJbXaHGeu2-0WpmW2JL44Ki9L798dWUIa16tKv7a-hTcMxnG9sLsSfoCG5Lhh8AyjkCsK2wHDU233R_NmiixoQjfH1FGEjRzq_uQS8/s1600-h/cap30a.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329794635358626082" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 316px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsTXMO9EGfGpTNnV2l_cJ1dOA1cHe-KDySweoHEKCJbXaHGeu2-0WpmW2JL44Ki9L798dWUIa16tKv7a-hTcMxnG9sLsSfoCG5Lhh8AyjkCsK2wHDU233R_NmiixoQjfH1FGEjRzq_uQS8/s400/cap30a.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Na manhã seguinte, a notícia estourou. “Morreu Casé, que os músicos reconheciam como o melhor saxofonista”, informou o <span style="FONT-STYLE: italic">Jornal da Tarde</span>. “Morreu Casé, um dos maiores sax do Brasil”, ecoou o <span style="FONT-STYLE: italic">Diário da Noite</span>. “Morreu o grande Casé, que tocava saxofone” foi o título da reportagem de capa do caderno <span style="FONT-STYLE: italic">Folha Ilustrada</span>, na <span style="FONT-STYLE: italic">Folha de S. Paulo</span>. “Nunca mais na música o sopro suave de Casé”, lamentou <span style="FONT-STYLE: italic">O Estado de S. Paulo</span>. Ficava claro, enfim, que se tratava de uma pessoa importante o “saxofonista encontrado morto no quarto do hotel” a que se referia o título do <span style="FONT-STYLE: italic">Diário Popular</span>, perdido entre notícias como a do julgamento da milionária Elza Leonetti, acusada de matar o amante Roberto Lee no Jardim América; o assassinato de um vigia em São Miguel Paulista e um assalto ao Banespa na Freguesia do Ó.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Contradições marcaram a cobertura. Mesmo sem o laudo do IML, que só seria registrado 57 dias depois, sob o número 5570, alguns jornais se apressaram a publicar a causa da morte. “Em meio a muitas anotações, o corpo de Casé estava caído no chão, vítima de hemorragia interna de uma antiga úlcera. Seus últimos movimentos foi (sic) assistir televisão até 11:30, subir para o seu quarto e, desesperadamente, tentar pedir auxílio ao porteiro por telefone”, relatou o <span style="FONT-STYLE: italic">Diário da Noite</span>. Segundo o <span style="FONT-STYLE: italic">Jornal da Tarde</span>, “havia muito sangue no seu travesseiro e isso foi explicado, inicialmente, desta forma por um perito: ele tinha sofrido um forte edema pulmonar agravado de uma cirrose hepática. Mais tarde, no entanto, o médico legista Roberto Petrili, que examinou cuidadosamente o corpo do músico, definiu a causa como traumatismo crânio-encefálico. Essa explicação médica trouxe suspeita junto aos policiais de que Casé pode não ter sido vítima de morte natural, como se pensava de início”. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Segundo o <span style="FONT-STYLE: italic">Diário Popular</span>, o saxofonista, “de renome internacional, foi encontrado morto na manhã de ontem, num dos quartos do Hotel Luiz de Camões, na R. Aurora 479 (sic), em Sta, Ifigênia, onde morava há quatro meses. O delegado Adolfo Salomão, de plantão no 2° DP, foi informado do ocorrido pelo porteiro do hotel, onde constatou que o músico morreu há dois dias.” A <span style="FONT-STYLE: italic">Folha</span> veio com uma observação: “Como disse ontem o delegado de plantão no 2° DP, que fez a ocorrência do caso, ‘ele não tinha inimigos’”. Junto com a notícia, o jornal editou um texto assinado por João Marcos Coelho cujo título não deixava dúvidas: “Um Pelé do instrumento”. O crítico relatava que, após ter voltado de São José do Rio Preto, “enfiou-se pela noite para sobreviver mal e porcamente”. E mais adiante: “Arredio, tímido, mas excepcional músico – o melhor saxofonista brasileiro, sem dúvida – Casé foi se distanciando de um público que jamais o conheceu, ao mesmo tempo que se aprimorava musicalmente com uma dedicação espantosa”.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Em <span style="FONT-STYLE: italic">O</span> <span style="FONT-STYLE: italic">Estado de S. Paulo</span>, foi este o último parágrafo do texto de Zuza Homem de Mello: “Casé levou uma vida nômade, às vezes estranha, e era um músico exigentíssimo, motivo pelo qual tinha atritos freqüentes com seus companheiros, principalmente os saxofonistas que, a seu ver, não executavam exatamente o que ele queria. Era um extraordinário leitor de partituras à primeira vista. Conta-se que muitas vezes transportava a parte do sax-tenor para a do sax alto na primeira leitura. Casé tinha um sopro suave, como a sua maneira de falar. Miúdo, com jeito de menino, era admirado por todos os músicos brasileiros, sobretudo os de São Paulo que o conheciam e comentavam a notável facilidade com que manejava os instrumentos de palheta. Mesmo os estrangeiros que o conheceram ficaram admirados de suas qualidades. Por isso, talvez, tivesse tido tantas desilusões que dirigiam sua vida num ziguezague errante, mas capaz de deixar, num pobre cabaré do Interior, sons inesquecíveis, dignos das maiores salas de concerto.”</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >***</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Na semana seguinte, dona Isabel e Marly foram à delegacia. Um funcionário leu pra elas um documento que atribuía onze doenças a Casé, entre as quais a tuberculose. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Como um tuberculoso poderia tocar um instrumento de sopro como ele? Eu vi o corpo dele, estava espancado, todo estourado – reagiu Marly.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Não houve resposta – apenas a recomendação, feita rispidamente, de que ela mantivesse a boca fechada. Desnorteadas, mãe e filha saíram da delegacia na Brasília verde-oliva de Marly, então morando num prédio sem garagem da rua Artur Azevedo, em Pinheiros. Na manhã seguinte, o manobrista do estacionamento onde o carro era guardado, na rua Cunha Gago, veio ao seu encontro. Estava nervoso. Não conseguia explicar como nem por quem a Brasília havia sido aberta. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Não levaram nada – disse, intrigado, o manobrista.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Continuavam no carro os pacotes de compras feitas na véspera. Mas, constatou Marly, haviam desaparecido, sim, algumas coisas - um amuleto de pedra trazido da África por um diretor do sindicato em que trabalhava, um ímã com a imagem de Nossa Senhora e um terço branco, presente de Isabel, que ela deixava no porta-luvas. Pareceu-lhe iniciativa de alguém interessado em fragilizá-la emocionalmente, alguém querendo convencê-la de que, agora, estava desprotegida.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >No dia 26 de janeiro, quase dois meses após a morte, o Instituto Médico- Legal registrou o Laudo de Exame de Corpo de Delito n° 5570, feito por requisição do delegado Adolpho Salomão e assinado pelos médicos legistas José Diniz Lourenção e José Gonçalves Dias. O documento descrevia o estado em que, enrolado num lençol verde, o corpo chegou ao IML. Havia ferimentos e manchas nos cotovelos, no antebraço direito, no punho direito, na coxa direita; marcas nas costas, hematomas na cabeça. Os legistas concluíra que “o êxito letal se deu devido ao traumatismo cranio-encefálico”, produzido por “agente contundente”. </span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >***</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Em 23 de março, uma sexta-feira, quase dois meses depois de registrado o laudo do IML, o jornal <span style="FONT-STYLE: italic">Notícias Populares</span> publicou na página 15 uma nota que parecia dar novo rumo ao caso: “Dúvidas sobre a morte do saxofonista Casé”. O texto: “A morte do saxofonista José Ferreira Godinho Filho, o Casé, está sendo investigada desde ontem pela Delegacia Especializada de Homicídios do DEIC. No último dia 30 de novembro, Casé foi encontrado morto num quarto de hotel da Rua Aurora, onde residia. Ele estava caído entre o quarto e o banheiro, em meio a respingos de sangue. O apartamento estava fechado por dentro. Exames periciais realizados demonstraram a existência de equimoses em algumas das partes do corpo do músico. Embora o exame toxicológico tenha resultado negativo, os legistas acusaram onze doenças graves e deram como causa-mortis traumatismo craniano. O delegado Adolpho Salomão, do 2° Distrito, que a princípio imaginava tratar-se de morte acidental, admitiu a possibilidade de assassinato, passando o caso para a alçada da Divisão de Crimes Contra a Pessoa.”</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Das “doenças graves” mencionadas pelo jornal, apenas uma estava citada no documento do IML – o fígado aumentado, sugerindo uma cirrose em desenvolvimento.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >*** </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Waltinho já havia deixado de passar horas dentro do carro parado na Rua Aurora, à espreita, com a esperança de enxergar uma cena qualquer que ajudasse a desvendar a morte do irmão. Atendia à sugestão da mãe:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >- Vamos deixar nas mãos de Deus. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEMltU50dCYGBitpEpQn5XbQlTUtFWXlKc3SGAYMo6CMC2UvzlTMR1zFu6n5mOf0d6ZP69ApRncab4VDG3d6UbEhI3pRSaEKW9FN_zr2gitWKCOxmYgYyEzK4kSgcKKNY4890Q1MNCFZd2/s1600-h/cap30b.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329794914682627362" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 316px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEMltU50dCYGBitpEpQn5XbQlTUtFWXlKc3SGAYMo6CMC2UvzlTMR1zFu6n5mOf0d6ZP69ApRncab4VDG3d6UbEhI3pRSaEKW9FN_zr2gitWKCOxmYgYyEzK4kSgcKKNY4890Q1MNCFZd2/s400/cap30b.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Na edição de 13 de setembro de 1979, o <span style="FONT-STYLE: italic">Notícias Populares</span> trouxe uma outra versão da polícia para a morte registrada mais de nove meses antes, no Boletim de Ocorrência n° 4238/78. Na página 7, sob o título “Casé teve morte acidental”, a coluna “Notícias do Deic” foi peremptória: </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >“José Pereira (sic) Godinho Filho, músico mundialmente conhecido como Casé, encontrado morto, com fraturas cranianas, no apartamento n° 42 do Hotel Luiz Camões, situado na Rua Aurora, 174, não foi vítima de homicídio e sim de morte acidental, em conseqüência de uma crise causada por edema pulmonar agudo, o que fez com que ele, ao tentar levantar-se da cama, caísse batendo a cabeça na parede ou no chão do banheiro, provocando traumatismo craniano-encefálico, conforme resultado de laudo médico. E isto é que, em resumo, relata o delegado Adherbal Gomes Figueiredo, da Equipe E, à Justiça. Sua equipe ficou encarregada da elucidação da morte de Casé, que, a princípio, foi tido como vítima de homicídio. O relatório do delegado se fundamenta em resultados de exames periciais realizados pelo perito criminal Paulo Barth, que apontam, entre outros dados, o fato de o telefone da residência do músico estar fora do gancho e com manchas de sangue expelido por via nasal, antes mesmo da queda, em virtude da crise pulmonar. O delegado se serve também, para fundamentar sua tese, do laudo do médico legista Aleixo José Vaqueiro, em que aponta, como causa da fratura craniana, um agente contundente passassivo (sic), o que significa que o músico não levou alguma pancada na cabeça mas bateu fortemente, ao cair”.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Caso arquivado.</span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-12701192050404620962009-04-28T14:19:00.004-03:002010-09-14T16:33:57.958-03:00Capítulo 29<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ><span style="font-size:130%;">Um dia de tensão </span></span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >Mesmo à distância, ele continuava ligado à família. Recebia telefonemas de Vanessa. Prometia-lhe visitas, assim que ganhasse um dinheiro levaria um presente. Na manhã de 29 de novembro, Dalva relatou a Isabel um sonho em que o irmão surgiu deitado no chão. A pedido da mãe, foi ao Luiz de Camões, acompanhada por Eduan, o filho de sete anos. Não gostou do que viu. Um ambiente cinzento, atravessado por olhares de soslaio. O porteiro lhe informou que o hóspede estava dormindo, e o fato de ter barrado a entrada de Dalva mereceu elogio de um homem que veio do fundo do hotel:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Fez bem.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Nisso, toca o telefone da portaria. É Casé. Informado da presença da irmã, pede-lhe para comprar cigarros. Ela atravessa a rua, volta com dois maços de Continental e sobe um lance de escada. Percorre o apartamento com os olhos, vê sapatos enfileirados fora do armário e a mala sobre a cama. Observa o irmão: ele veste calça branca e camisa riscada de vermelho, está abatido, parece estar intranquilo e, fato raro, com a barba por fazer. Dalva tenta chegar à porta do banheiro, ele estica a mão e a impede de passar.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Vai embora, Dalva. Não fique nem mais um minuto aqui com esse menino, por favor.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjy1kJD64bmthCKoyZUwG_GS8ULbZpDS5M8ZZ_Ei7bbMv9X6ARxe1vRmRvJqKQggiAhr-HJAzDJVrLhtKpLC1ApyxatyCl9VC8ZIMinwvmAM4rU_KIHep0p7zxSqiNeoNoEM0OUvdL0L5fZ/s1600-h/cap29.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5330618071261986338" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 400px; CURSOR: hand; HEIGHT: 337px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjy1kJD64bmthCKoyZUwG_GS8ULbZpDS5M8ZZ_Ei7bbMv9X6ARxe1vRmRvJqKQggiAhr-HJAzDJVrLhtKpLC1ApyxatyCl9VC8ZIMinwvmAM4rU_KIHep0p7zxSqiNeoNoEM0OUvdL0L5fZ/s400/cap29.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >À tarde, com a mesma roupa, ele foi ao apartamento da mãe, na Vila Clementino. Ardia sobre um prato uma vela de sete dias acesa por dona Isabel. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Você sumiu. O que aconteceu? – ela quis saber.</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ><br />– Mãe, alguém andou me procurando? Ninguém pode saber que eu estou aqui.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Falava olhando para os lados, em movimentos nervosos. Foi até o fundo do apartamento, parecia fazer uma vistoria apressada. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Tô com vontade de comer aquela abobrinha batidinha que a senhora faz. Tô até sentindo o cheiro. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Isabel se dispôs a ir para a cozinha. Não houve tempo. “Não deixe porta, janela, nada aberto”, ele recomendou, antes de descer cinco andares para atingir o térreo. Na rua, um táxi o aguardava.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >***</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >A seu pedido, às 18 horas Mara chegou ao hotel. Ele a esperava na porta, queria jantar. No bar, pediu arroz, feijão, brócolis na manteiga e um bife pequeno. Comeu pouco. Enquanto a comida esfriava, Casé esforçava-se para confessar: estava amargurado, preocupado com a mãe; sentia-se mal. Pediu martíni e um limão partido, que salgou e chupou entre talagadas da bebida.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Vamos para a minha casa – ela disse.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Amanhã, sem falta, eu vou e fico por lá.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Passava das 23 horas. Mara voltou para São Bernardo, e ele, antes de se recolher, ficou na portaria do hotel com o recepcionista Arlindo. Assistiram pela tevê a um trecho do filme <span style="FONT-STYLE: italic">Holocausto</span>.</span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-66974157749764054942009-04-28T14:09:00.011-03:002010-09-14T16:32:48.792-03:00Capítulo 28<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">Fim de Carnaval</span></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >No Carnaval de 1978, o respeitado saxofonista e arranjador Cangaceiro repartiu sua orquestra Réveillon repartiu-se em duas formações. Ambas mesclavam músicos de larga experiência com principiantes. Casé, escalado para um dos grupos, foi para Catanduva, tocar ao lado de Bocato, trombonista em início de carreira. Em São Carlos, os veteranos Cangaceiro, Waltinho e Cilinho perfilaram-se com dois irmãos adolescentes, o saxofonista Gerson Galante e o trompetista Junior.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Encerrado o trabalho, um ônibus com os músicos saiu de Catanduva e passou em São Carlos para resgatar a segunda turma. Foi uma festa quando os dois grupos se juntaram. Um vozerio tomou conta do ônibus. Mas toda vez que Mara, a mãe de Gerson e Júnior, se manifestava, alguém lá de trás vinha com uma provocação.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Dona Mara, sua garganta não dói, não?</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Bastava ela voltar a fazer um comentário qualquer para ouvir nova reprovação de Casé em tom jocoso:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Dona Mara, cuidado pra não perder a voz.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Semanas depois, indicado pelo saxofonista Cangaceiro, ele se tornou professor de Gerson. Mara e o filho de 12 anos saíram de casa, em São Bernardo do Campo, a tempo de chegar no prédio da rua Mario Ferraz na hora combinada, duas da tarde de uma terça-feira de março. Nas aulas, que se estenderam até o fim de junho, deu-se relevância à respiração. Gerson logo estaria no Clube Homs ao lado do mestre, como quarto tenor da orquestra de Elly, junto com outros jovens músicos – entre os quais Hélio Ramiro, o mesmo que ia ouvir as orquestras do Avenida. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Verdade que às vezes Casé não aparecia naqueles bailes dominicais de fim de tarde. Num dia frio, almoçou, deitou-se no sofá e puxou um cobertor. Isabel estranhou:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Não vai trabalhar?</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Vou nada. Tem gente lá que pode fazer no meu lugar.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Em compensação, era comum oferecer à orquestra arranjos bonitos, simples, orgânicos. Música pra dançar – <span style="FONT-STYLE: italic">Rapsody in Blue</span> em ritmo de samba e o tema da série Swat, por exemplo. Ou <span style="FONT-STYLE: italic">Stardust</span>, com uma bem-humorada recomendação a um solista, apreciador das propriedades da cannabis: “Sem fumo”, escreveu na partitura.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnujCdpaEghSf7kPKxfZJ9fuYyQmZnLvibH3P2L4UVSDhsib7_Mf8cDJ4zcAGkdygdpgs6Xl_S6Bil28cSTZqU8NtQQYdNBGbtBw03AHK8p5FhHjZUYCZZijxsiI8-1Zt1XiRmpjcqS17m/s1600-h/cap28a.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329791803545962642" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 282px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnujCdpaEghSf7kPKxfZJ9fuYyQmZnLvibH3P2L4UVSDhsib7_Mf8cDJ4zcAGkdygdpgs6Xl_S6Bil28cSTZqU8NtQQYdNBGbtBw03AHK8p5FhHjZUYCZZijxsiI8-1Zt1XiRmpjcqS17m/s400/cap28a.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Entre aulas e bailes, Mara e Casé se aproximaram. Ele ganhou uma protetora e ela, um admirador que a convidava a acompanhá-lo ao trabalho, a passeios ou às duas coisas de uma só vez. Quando Silvio Mazzucca vendeu um baile em Santos, chamou Casé, que convidou Mara.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Vamos antes, assim dá tempo de a gente comer um peixinho - ele propôs. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Mara topou. No apartamento da Mario Ferraz, onde ele a aguardava com o cabelo tingido de castanho escuro, ela apareceu levemente maquiada, de vestido solto e bota de salto. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Mãe, olha como ela tá! - disse Casé. - Não vou, não. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Mara insistiu, lembrou o compromisso assumido com Mazzucca. Foi dona Isabel quem a fez desistir de tentar convencê-lo:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Não adianta: quando ele fala que não vai, não vai mesmo.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Acertou. Ele riu:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Vamos passear. Vamos pro Avenida.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Foram, ocuparam uma mesa e, para surpresa dela e da orquestra, ele a tirou pra dançar. Antes, teve o cuidado de se dirigir ao maestro e pedir um bolero. Na pista, confessou por que desistira de ir a Santos:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Você acha que eu ia levar você, bonita assim, pro meio daquele monte de músico?</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Desde a aeromoça que o trocou pelo diplomata, Casé, agora com 46 anos, não se dedicava tanto a uma mulher. Foi à casa de Tião, o irmão mais velho, para se aconselhar. Falou em criar juízo, parar de beber e casar com Mara, recém-separada. Ela se afeiçoava, enxergava nele um homem de alma infantil. Chegou a levá-lo para casa, queria cuidar dele, afastá-lo do álcool, servir-lhe café da manhã, levá-lo para trabalhar. Por quase um mês, conseguiu. Mas não era fácil manter Casé longe da família. Quando a mãe, a irmã e a sobrinha anunciavam uma viagem de férias a Santos ou Praia Grande, ele comemorava:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Ah, agora vou ficar à vontade em casa. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Um, no máximo dois dias depois, chegava de mala e cuia à casa em que as três estavam hospedadas. Não desgrudava, agora ainda mais: além de Isabel, havia a pequena Vanessa, com seis anos. O tio se derretia por ela, presenteava-a, levava-a a passear na Brasília de Marly, ia vê-la pela grade do Colégio Imaculada Conceição, na Cincinato Braga. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Seu compromisso familiar consistia em pagar o aluguel. O dinheiro restante, torrava.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Cuidado com o seu dinheirinho – advertia Marly.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Que dinheiro? Já foi – ele respondia.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAWSrm8xRLcq7kvXHSyyOHNVow26Teaxmsim386Cdn53WDoAauMoQu3qRkmwvj4BK3G70cA6DZSzoCZARcGuXvxLie0iztMwSbqKzANkq7tmIdsIPwDT_JwSm66Q-WhrayhACkGGXZgv4S/s1600-h/cap28d.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329792106891420514" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 294px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAWSrm8xRLcq7kvXHSyyOHNVow26Teaxmsim386Cdn53WDoAauMoQu3qRkmwvj4BK3G70cA6DZSzoCZARcGuXvxLie0iztMwSbqKzANkq7tmIdsIPwDT_JwSm66Q-WhrayhACkGGXZgv4S/s400/cap28d.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Enquanto isso, repetia queixas sobre o Oba-Oba, especialmente sobre os prejuízos causados pelo ar condicionado à sua garganta. Queria parar. Os companheiros mais próximos notavam nele traços do desconforto. Tocando, a postura revelava descuido até então inédito. Surgia agora um Casé acabrunhado. Uma noite, guardou o Selmer no armário do camarim e saiu sem dizer nada. Ditinho observava à distância, e, porque sabia decifrar os humores do amigo, antecipou aos colegas:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Ele não vai voltar.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Casé e família haviam trocado o apartamento da Mario Ferraz por outro, na rua Botucatu, Vila Clementino. Em casa, logo o ambiente ficou tenso. Casé e Marly se desentendiam, ela cobrava as promessas dele de evitar o martini, de manter o aluguel em dia e estabilizar-se no emprego. Ele vinha dormindo mal, emagrecia, o que, a rigor, nem chegava a ser novidade. Em meio a uma troca de farpas, Marly lançou o desafio:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Ou você toma prumo ou um dos dois sai de casa.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Quem saiu foi ela, rumo à casa de Palmira, uma amiga do Cambuci. Voltou três dias depois, após a intervenção de dona Isabel. Não houve acordo entre os irmãos. Ela saiu de novo. Aí, Casé resolveu conversar com dona Isabel. Apoiou os cotovelos na mesa da cozinha e, passando as mãos no cabelo, anunciou:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Vou sair, mas não vou me afastar. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Mudou-se para o Hotel Luiz de Camões, num prédio pequeno e envelhecido da Rua Aurora. Instalou-se num apartamento com uma cama de casal, uma de solteiro, um criado-mudo e um guarda-roupa. Agora, tinha à sua volta todo o centro de São Paulo. Não era mais o centro festivo que conhecera nos anos 50 e 60. Era uma área decadente, de construções malconservadas, em que ao fim do dia o comércio cedia lugar a um submundo habitado por putas, proxenetas, alcaguetes, traficantes, tiras corruptos, a bandidagem em todos os seus ramos. Era a Boca do Lixo. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcA9-XuOoSKM-vUAFbSGmipsVuLFvB_IKRe0_zjngWz4YjkGvOUFbLjRXiDDE-3wrQG49JGr9uLvMesuDytUdEtKALS4TZA5LZ_ay9lEaee-qRFC-HWTY18vgKPYkjbNyO73K1qprjbOlm/s1600-h/cap28c.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329792431754185042" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 209px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcA9-XuOoSKM-vUAFbSGmipsVuLFvB_IKRe0_zjngWz4YjkGvOUFbLjRXiDDE-3wrQG49JGr9uLvMesuDytUdEtKALS4TZA5LZ_ay9lEaee-qRFC-HWTY18vgKPYkjbNyO73K1qprjbOlm/s400/cap28c.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Casé levava a roupa para lavar e passar na casa da mãe. Às vezes pedia um chá, dizia-se indisposto, se queixava do estômago. De resto, em fase de pouco trabalho, passava o dia no hotel da Boca. Lá deu aulas às terças e quintas-feiras, às 10 da manhã, para Amendoim, saxofonista baiano de Rio de Contas, que em 58 tocara com Godinho na orquestra de Milton do Acordeom, em Santo Anastácio.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Foram quase quatro meses de convivência. Quando Amendoim chegava, Casé estava fazendo exercícios com a clarineta enfiada no guarda-roupa, que forrava com travesseiros para o som vazar menos em direção aos vizinhos. Dizia ter saído de casa para estudar sem incomodar a mãe, que andava adoentada. E mais: que se preparava para viver no Exterior. Na bagagem levaria quatro ternos. Amendoim foi com ele a uma alfaiataria onde tirou as medidas. Emprestou-lhe um Selmer, com o qual Casé andou trabalhando. Ouviu dele lembranças do pai, comentários sobre palhetas, sobre a importância de estudar em tons desconfortáveris, um pedido (“Minduim, cê me arruma um dinheiro?”) e uma recomendação que parecia fazer a si mesmo após mostrar litros vazios deixados na sacada.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Preciso tirar essas garrafas. Tem uma mulher aí – disse, apontando </span><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >para o outro lado da mureta que separava o seu apartamento de um outro.</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >*** </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Numa noite do fim de outubro, Casé encontrou-se com Clécio Fortuna, amigo desde Assis, que se integrara à banda de Roberto Carlos. Deu-lhe o telefone do hotel Luiz de Camões.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Quero estudar harmonia com você - disse Clécio. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Por desencontros de agenda, não conseguiram marcar aula. Baterista da boate Stardust, Semifusa teve mais sorte. Tocava também saxofone, e havia sido aluno de Casé no primeiro semestre, à época de Gerson. Semifusa passara a tocar melhor, mas as excursões com Jair Rodrigues o afastaram das aulas. Um dia, apareceu no Luiz de Camões. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Pô, por onde cê andou? – perguntou Casé com a porta semiaberta.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Mais duas aulas, e Semifusa voltou às viagens. O professor continuou nas imediações do hotel, perto das lojas da Santa Efigênia. Foi ali, quase esquina com a Rua Aurora, que em novembro encontrou-se com Shioda, ex-baixista do seu conjunto na década de 60. Não se viam fazia três anos.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Que cê tá fazendo por aqui? </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Comprando peças. Agora tenho uma oficina de consertos eletrônicos. E você, pescando no interior? – perguntou Shioda.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Não, eu moro ali, ó – e Casé apontou para uma janela do primeiro andar do Luiz de Camões.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Foi para lá que rumaram Ditinho e o guitarrista Ayres uma noite, após o show do Oba-Oba. Ele estava em frente, num bar. Era uma espelunca.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Isso aqui é uma merda – Dito cochichou a Ayres.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Casé estava, no fundo do bar, numa roda com dois homens brancos e uma mulher negra. Avistou os amigos, bateu as mãos nos joelhos, com a coluna ligeiramente curvada. É assim que fazia diante das boas surpresas. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Pô, me acharam – e gargalhou.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Apresentou Ayres e Ditinho à mulher.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Minha amiga.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Aos dois músicos, o lugar pareceu pesado. Casé não demonstrava tristeza, especialmente agora, na companhia de Ditinho e Ayres. Estava bem vestido, penteado – apenas um pouco abatido e mais magro. Devolveram-lhe o sax velho que abandonara no armário do Oba-Oba. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Viemos te buscar – arriscou Ditinho.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Ele sorriu, deu à conversa rumos mais divertidos. Atravessou a rua, deixou o instrumento na porta do hotel e voltou ao bar. Os amigos disseram que diariamente Sargentelli perguntava por ele. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Não vou mais, não.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Estava ambientado. Tinha amigos de bar, tinha o Avenida e o Ponto, ambos decaídos mas bem pertinho dali. No hotel, toda noite Sonia Braga chegava pela tevê. Era a tigresa da boate Dancig Days. Na novela não se dançava como no Avenida. Sonia deslizava em outro cenário, a discoteca, ao som de <span style="FONT-STYLE: italic">playback</span>. O personagem Alberico, interpretado por Mário Lago, remetia a um Brasil nostálgico, e aí Dick Farney entrava cantando <span style="FONT-STYLE: italic">Copacabana</span>, aquela mesma música gravada por Casé no disco <span style="FONT-STYLE: italic">The Good Neighbors Jazz</span>. Vinte anos haviam ficado para trás. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhy1EjuPXabbGLAqpXjAEQjCXPjuX7mq-fO9v92KhNw43f2teYrbi7XENJlXQEpEnWMsbsYiYMHQ8zrIbUhsOxx3-fz4sKvpJ3ryXBrJRes00zal_ScT5tgKSnuPBnU20m9S8EU6j02_hEN/s1600-h/cap28b.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329792846775354146" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 207px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhy1EjuPXabbGLAqpXjAEQjCXPjuX7mq-fO9v92KhNw43f2teYrbi7XENJlXQEpEnWMsbsYiYMHQ8zrIbUhsOxx3-fz4sKvpJ3ryXBrJRes00zal_ScT5tgKSnuPBnU20m9S8EU6j02_hEN/s400/cap28b.jpg" border="0" /></a>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-29377915266751367152009-04-28T14:05:00.006-03:002010-09-14T16:27:25.293-03:00Capítulo 27<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">Sax verde no Oba-Oba</span></span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >A música popular como se acostumara a fazê-la toda uma geração de profissionais continuava a perder espaço. Lambari já fazia parte, como clarinetista, da Orquestra Sinfônica Municipal. Um dia, lembrou-se do velho amigo. Pensou em novamente tê-lo como companheiro de naipe, como nos melhores tempos da orquestra de Mazzucca. Foi à casa de dona Isabel, na Lins de Vasconcelos. Ao se aproximar, ouviu o som de um clarinete. Só teve coragem de tocar a campainha quando os exercícios, tocados à perfeição, pararam de ser repetidos. Esforçou-se para convencer Casé a se inscrever na Sinfônica, que faria testes dentro de vinte dias. Não conseguiu. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >No mesmo ano, Zuza Homem de Mello foi incumbido de produzir o segundo <span style="FONT-STYLE: italic">O Fino da Música</span>, série de shows promovida pela Rádio Jovem Pan no Anhembi, entre maio em julho de 77. Responsável pela programação musical, idealizou um quinteto só de saxofones, liderado por Casé, de quem era admirador desde o tempo do quarteto de Dick Farney, da orquestra de Silvio Mazzucca e da boate do cassino de Poços de Caldas, cidade onde passara fins de semana vinte anos antes.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Eu tocaria, mas acontece que estou trabalhando na boate do Sargentelli e não posso faltar.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Zuza insistiu:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Manda substituto só por um dia, monta um grupo com os músicos que quiser, faz o repertório que você quiser. Vai ser importante, você vai ser destaque no espetáculo.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Nenhum argumento foi capaz de demovê-lo da recusa, mais uma ante a possibilidade de brilhar à frente de um grupo, de se expor, se projetar. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >A essa altura, com dona Isabel, a irmã Marly e a sobrinha Vanessa, estava morando num apartamento grande da Rua Mário Ferraz, travessa da Brigadeiro. Foram para lá por sugestão de Marly, que trabalhava perto, no Sindicato da Indústria Farmacêutica, na Alameda Ribeirão Preto. O pagamento do aluguel, incumbência dele, andou atrasando. Pura distração, que, ele prometeu, não voltaria a se repetir.</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >***</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O Oba-Oba, aberto na Avenida Paulista por Oswaldo Sargentelli, mantinha um plantel de bons músicos, que se misturavam a mulatas em shows apreciados por turistas e notívagos renitentes. Sargentelli, fã de Casé, deleitava-se ouvindo-o interpretar <span style="FONT-STYLE: italic">Andorinha</span>, de Tom Jobim. Registrou-o em carteira por 3,5 mil cruzeiros mensais. Na casa trabalhava o trombonista pernambucano Ditinho, que chegou a São Paulo em 1960, depois de uma temporada na orquestra Nelson de Tupã. Antes do Oba-Oba, ele e Casé haviam convivido no conjunto de Zezinho, do programa de Silvio Santos.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGhhG86urWr3bEVfsx9umHsK4RCaVPGHl65qWm8Ji8hvN_QcO0ygrY6CJHEZ5rzaPINPzvi3aKfNLmdukrjeQLRJiFEKjBjZnrS_WPKuUPtNMqnX9ajZSzn1uqV0F2dPI8Ca0CGps22UIy/s1600-h/cap27.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329789989838414834" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 237px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGhhG86urWr3bEVfsx9umHsK4RCaVPGHl65qWm8Ji8hvN_QcO0ygrY6CJHEZ5rzaPINPzvi3aKfNLmdukrjeQLRJiFEKjBjZnrS_WPKuUPtNMqnX9ajZSzn1uqV0F2dPI8Ca0CGps22UIy/s400/cap27.jpg" border="0" /></a><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Quando terminavam o trabalho na casa de Sargentelli, os dois iam para o Cartola, na Brigadeiro, onde tocava a orquestra de Elly. Casé dava canja e, se estivesse sem dinheiro, pedia algum ao maestro para pagar o estacionamento do carro de Dito. Mentira. Os dois atravessavam a rua e iam tomar cerveja no bar Melchi até amanhecer. Nessas ocasiões revelava-se o Casé conversador, que falava de pescarias, de arranjos, de músicos que apreciava, como o saxofonista Zé Bodega e o trompetista Broa, ambos da Orquestra Tabajara.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >No Oba-Oba andou tocando com um tenor emprestado, muito velho, esverdeado de azinhavre, com furos fechados com chiclete e as chaves amarradas com barbante e elástico. O som que tirava do instrumento deixava parceiros e públicos embasbacados. Um dia Sargentelli apareceu com um alto Selmer, de última geração.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Toma, é seu. Só quero que você venha pra fazer dois solos por noite. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Talvez o Selmer se fizesse desnecessário. O sopro que fascinava Sargenteli jamais dependeu do modelo ou do estado do instrumento utilizado. Antes e durante um baile com a orquestra de Rolero, na década de 50, Casé quebrou várias palhetas na borda de uma mesa. “São umas merdas”, ia dizendo. Depois, enchia o Parque Balneário de Santos com uma sonoridade fulminante.</span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-49986221029903318992009-04-28T14:02:00.007-03:002010-09-14T16:26:15.611-03:00Capítulo 26<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">O dancing resiste</span></span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >Enquanto amadureciam talentos como o de Proveta, parte da velha-guarda resistia na decadente noite paulistana. No Avenida Danças alternavam-se orquestras teimosas, como a de Elly e uma outra, liderada pelo saxofonista Bauru. Hélio Ramiro, trompetista iniciante, ia ao <span style="FONT-STYLE: italic">dancing</span> para ouvir os veteranos. Subindo a escada a caminho do salão, reconhecia o autor do solo de sax. “É ele”, pensava, antes de enxergar Casé. Bailavam casais, levados pela música ininterrupta da orquestra em revezamento com um conjunto menor. Mulheres, algumas belas, eram disputadas. Três se destacavam. Ancas largas, coxas roliças, seios generosos, cabelos esvoaçantes. Para os músicos eram as Irmãs Metralha, craques na arte de conquistar senhores grisalhos, donos de carteiras bem-fornidas. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Certa noite, chegam dois rapazes, um de costeletas, o outro de cabelos escorridos pelo rosto. Convidados a tocar, Nivaldo Ornelas e Victor Assis Brasil aceitaram imediatamente. O encontro de Victor com Casé resultou em diálogo apenas musical. Pouco se falaram. Victor retornaria ao Rio pouco depois. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMQeU0n3R6gXO8dKKDq1td4lofPkQUI82XFDe4OFi2HHiZL1NCnSpIf9qHiDAAt-BL_A5VVnlitgkTwaVkszVmcG53n2ZMFl90r5oz2fyk-rTU81qIxlu6D5TjazU9lj03TO0rCYrCMYPI/s1600-h/cap26a.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329789055380379970" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 237px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMQeU0n3R6gXO8dKKDq1td4lofPkQUI82XFDe4OFi2HHiZL1NCnSpIf9qHiDAAt-BL_A5VVnlitgkTwaVkszVmcG53n2ZMFl90r5oz2fyk-rTU81qIxlu6D5TjazU9lj03TO0rCYrCMYPI/s400/cap26a.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Casé ficou. Continuou a frequentar o centro da cidade, a recusar o mundinho das celebridades, a cortar o cabelo no salão no térreo do Avenida, a tomar café, conhaque ou martíni num bar da Ipiranga com Rio Branco, a trabalhar no dancing, receber a paga e desaparecer dali por um tempo. Para onde ia? Para um estúdio, por exemplo, gravar em 74 a arrojada trilha composta por Hareton Salvanini para a pornochanchada <span style="FONT-STYLE: italic">A virgem de Saint Tropez</span>, que viria a se tornar um disco disputado no mercado de raridades. Poderia ainda estar em Santos, hospedado num quarto de pensão de onde saía para animar os bailes de Carnaval do Clube Ilha Porchat.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiFBRIPYBPtCPyu84PKCzwodVNYVOhVzoY0RNrUiNQafjsYYXNhxlJUA5BxpgFUHCf_ODuMxbSA87f9zYFpTyg1K5g7nsyCuLg3V5UIgO5r4JgVFS57IHdsXBpM2oq0PhHIaVTMkZ2_xLEB/s1600-h/cap26b.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329789270472555074" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 237px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiFBRIPYBPtCPyu84PKCzwodVNYVOhVzoY0RNrUiNQafjsYYXNhxlJUA5BxpgFUHCf_ODuMxbSA87f9zYFpTyg1K5g7nsyCuLg3V5UIgO5r4JgVFS57IHdsXBpM2oq0PhHIaVTMkZ2_xLEB/s400/cap26b.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Só os observadores mais atentos pareciam perceber o descaso com que cada vez mais os músicos vinham sendo tratados. “Poucos sabem, por exemplo, que Casé – exímio saxofonista-alto – é considerado o maior do Brasil e já foi apontado pela revista norte-americana <span style="FONT-STYLE: italic">Down Beat</span> como um dos dez maiores músicos no gênero em todo o mundo.” Na <span style="FONT-STYLE: italic">Folha de S. Paulo</span> de 15 de agosto de 1975, o colunista Walter Silva aproveitava ainda para citar outros “grandes nomes que não fariam feio em parte alguma”: Dirceu, Toniquinho, Arrudinha, Nei, Antonio Pinheiro, Claudio Slon, Airto Moreira, Gabriel Bahlis, Claudio Bertrami, Chu Viana, Zé Bicão e Luisão. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Slon e Airto já viviam nos Estados Unidos. Casé continuava em São Paulo, trabalhando, entre uma e outra viagem, em locais como o Avenida. Lá esteve, por um tempo curto, com a orquestra de Roberto Gagliardi. O baterista, jovem, vestia um paletó preto excessivamente largo, cujo dono, Bolo Fofo, adoecera. Jorginho Saavedra, incumbido da substituição, olhava de longe o músico misterioso sobre quem tanto se falava, aquele mesmo que chegava, sentava-se de pernas cruzadas e acendia um cigarro. Não falava, mas observava e, se fosse o caso, manifestava-se com curtas frases de estímulo.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Fala pra esse menino continuar. Tá tocando bem.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Casé sumia de novo, e de repente ressurgia. Lá ia ele, outra vez com Elly, trabalhar no Clube Homs da Paulista, ou nos ainda mais modestos Cartola, na Brigadeiro, e Patropi, na Alameda Santos. Ao seu lado poderiam estar músicos experientes, como o trombonista Bom Cabelo, um negro assim apelidado em referência aos fios caprichosamente alisados. Pouco se falavam, até porque Bom Cabelo, preocupado com a alfaiataria em que trabalhava a partir das oito da manhã, não tinha tempo a perder com as rodas de músicos formadas para tomar uns tragos depois do baile.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Cabelo não era o único a ter duplo ofício. Na década de 50, ao sair da Rádio Gazeta, onde tocava piano e regia a orquestra Columbia, o maestro Totó passava a ser o médico Antônio Serge, cardiologista. E, novamente nos anos 70, quem se dedicava, além da música, a outra atividade era o trompetista Cilinho. Chegou a São Paulo em 58, vindo de Urupês, na região de Catanduva. Seis anos depois ingressou na Força Pública. Daí a mais nove anos, estava no palco dos salões de dança sobreviventes ao lado de Casé, primeiro entre idas e vindas com a turma de Elly; depois, com a orquestra Réveillon.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Tornaram-se bons amigos, conduzidos para o trabalho e a boemia no Fusca amarelo de Cilinho, a quem Casé não se negava a dar dicas sobre escalas pentatônicas, interpretação, harmônicos. Havia entre ambos uma camaradagem que, imaginou Cilinho, oferecia abertura para todos os temas. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Madrugada fria. Os dois andando pelo Centro.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Zé, posso falar uma coisa pra você? </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Depende.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Cilinho tinha mulher e três filhos, casa própria, automóvel. Discursou:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Não sirvo nem para limpar o teu sapato. Músico nenhum serve. Mas, Zé, consegui comprar a minha casa, meu carro. Você é solteiro. É só fazer uma poupança e comprar um apartamento, pra você viver mais tranqüilo.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Soou mal.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Peraí, não vem fazer sermão. Não aceitava ouvir esse tipo de coisa nem do meu pai.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Eu sei, Zé, só tô querendo o seu bem-estar.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Não devo nada pra ninguém. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Só tô dizendo que um cara como você merecia ter uma casa.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Não precisa falar isso pra mim, não. Eu não aceito.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Tudo bem. Cilinho continuará a oferecer carona a Casé, que mais adiante ficará sem dinheiro e, para atravessar a crise, venderá ao parceiro um órgão nacional Diatron.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Cilinho morava em Santo André. Um empresário da cidade resolveu montar um conjunto. Pediu-lhe para arregimentar os músicos. Cilinho não podia se dedicar com exclusividade, tinha o trabalho da PM. Indicou Casé. A reação do empresário: </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– O saxofonista? Puta merda, me traz esse cara. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Reunião no escritório com secretária, carpete, ar condicionado e cafezinho. Exigências:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Quero o Cilinho tocando, quero escolher o pessoal pra formar um noneto e escrever os arranjos.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Condições aceitas, com registro em carteira e um bom salário. Casé saiu do escritório imaginando com entusiasmo um grupo semelhante ao que comandara na década anterior. Nunca mais voltou. Cilinho foi atrás dele. Ouviu uma justificativa seca.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Ih, rapaz, não tô nessa, não. Tô indo pra orquestra Bandeirantes.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Foi mesmo. E ficou por poucos dias.</span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-84608649363103564702009-04-28T13:59:00.004-03:002010-09-14T16:22:16.913-03:00Capítulo 25<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">Um menino genial</span></span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >O ano de 71 se aproximava do fim. Chegou a Leme, na região de Ribeirão Preto, a <span style="FONT-STYLE: italic">big band</span> Show Up, de São Paulo, integrada por Casé, Buda, Viché, Botinão, entre outros músicos da categoria peso-pesado. Os arranjos haviam sido comprados do norte-americano Sammy Nestico.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O trompetista Botinão era natural de Leme. Sua chegada à cidade foi motivo de festa para parentes e amigos. À tarde, no clube onde tocaria, a orquestra dava uma passada por alguns arranjos. Botinão chegou. Estava entusiasmado, recém-saído de uma feijoada com direito a muita caipirinha e cerveja. Aproximou-se do primeiro sax-alto e anunciou:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Casé, é o seguinte: tem um moleque aqui que toca saxofone pra burro. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Testemunhar o surgimento de um grande saxofonista não era novidade para Casé. Ele já havia ouvido e incentivado em Santos, mais de uma década antes, um menino chamado Roberto Sion, que iria ocupara lugar de destaque entre os principais saxofonistas brasileiros. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Botinão mandou buscar o garoto numa chácara onde havia pés de goiaba, manga-rosa, banana e laranja-lima. Na casa de Geraldo Azevedo não havia televisão e usava-se uma carroça como meio de transporte. A música ajudava a cobrir a despesa. Geraldo tocava acordeom, órgão, clarineta e sax tenor. O menino, de nove anos, começara aos sete a estudar sax alto. Aos sábados tocava em festas com o pai e aos domingos integrava-se, na Praça São Manoel, à Corporação Musical Maestro Angelo Consentino. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Naylor – esse era o nome do pequeno saxofonista – chegou ao clube e foi apresentado a Casé. De calção e camiseta, no meio do salão, o menino tocou <span style="FONT-STYLE: italic">Czardas</span>. Quando acabou, os músicos da orquestra fizeram uma pausa de espanto, igual à provocada décadas antes, na orquestra da Rádio Tupi, pelo garoto que agora devia ser alguém importante, conforme supôs Naylorzinho. “Puxa, como é que pode? Em Leme, um menino tocando assim...”, comentou Casé. “Você precisa ir pra São Paulo”, emendou Botinão.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgWSe50fujiFi_Czmv4gNA_e8haKgvEVt7nbX81WPYyRLpRmO6hEFmL9Awq5iSDwH5E5w14iHi6ggNjIhvdeYiLMgZu7eH6eoYyR36Yj3KQrQj86A-4AlLw8Lj1OyhvTL1pOofCo7r1QJA7/s1600-h/cap25.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329788415981648482" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 187px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgWSe50fujiFi_Czmv4gNA_e8haKgvEVt7nbX81WPYyRLpRmO6hEFmL9Awq5iSDwH5E5w14iHi6ggNjIhvdeYiLMgZu7eH6eoYyR36Yj3KQrQj86A-4AlLw8Lj1OyhvTL1pOofCo7r1QJA7/s400/cap25.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Um ano depois o garoto começou a viajar para a Capital, num Ford Galaxie oferecido por Tripoli Donadel, o “Seu Pipe”, um fazendeiro apaixonado por música. E Naylor passou a ser atração de programas de televisão, um prodígio apresentado por Silvio Santos, Bolinha, Flávio Cavalcanti. Um dia foi convidado pela Tupi para participar do <span style="FONT-STYLE: italic">Clube dos Artistas</span>. Seria uma responsabilidade maior. Ele seria acompanhado pela respeitável orquestra do maestro Luiz Arruda Paes. Recebeu em casa um arranjo de <span style="FONT-STYLE: italic">Czardas</span>.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Anunciado por Airton e Lolita Rodrigues, entrou em cena e, enquanto se preparava para solar, olhou para trás. Enxergou, atrás das estantes, alguns grandes nomes do sopro – Bil no trombone, Jericó no trompete e, desta vez no sax-tenor, Casé, que havia escrito o arranjo. Novamente o menino tocou extraordinariamente bem. </span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >- Agora mostra uma música daquele disco do Casé - pediu Botinão, após o programa, ao garoto cercado pelos veteranos. O menino tocou Se Acaso Você Chegasse, de Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins, primeira faixa do LP Samba Irresistível. Casé apoiou a mão no queixo:</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >- Fio da mãe, tá tocando igualzinho à gravação.</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Parecia um músico nascido pronto, daí o apelido que passaria a carregar: Proveta, fundador, quase vinte anos depois, da Banda Mantiqueira.</span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-51168092969265523192009-04-28T13:54:00.006-03:002010-09-14T16:16:57.534-03:00Capítulo 24<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">Despedida com estilo</span></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >Salões, boates, orquestras. Ainda sobrevivia na década de 1970 parte do aparato da noite e dos bailes, que, no entanto, parecia pressentir mudanças. Não eram necessariamente boas do ponto de vista musical, embora pudessem, em alguns casos, resultar em mais grana. De qualquer maneira, instalava-se um período que arrastaria para outras áreas e caminhos uma leva de profissionais anteriormente ligados a fases mais glamourosas. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Marinho, companheiro da Mantovani de Assis, já estava de volta a Santo Anastácio, depois de superar uma tuberculose e de ter passado pelas orquestras de Nelson de Tupã e de Silvio Mazzucca. Outros da velha-guarda começavam a parar ou a planejar a aposentadoria que levaria Renato Cauchioli para Itanhaém e Franco Paioletti para Atibaia. Ratinho iria trabalhar no Japão, Maguinho se integraria ao RC-7 de Roberto Carlos.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O Ponto resistia na mesma esquina, pelo menos um <span style="FONT-STYLE: italic">dancing</span> permanecia na ativa perto dali – o Avenida, na Ipiranga -, mas anunciavam-se outros tempos. Manter viva uma orquestra passava a ser tarefa muito difícil. Em 69, José Resala, o Turquinho, ex-baterista da orquestra de Mazzuca, organizou o que, sem querer, pareceu uma despedida em grande estilo da era das grandes formações. Gravou pela RCA Victor o LP <span style="FONT-STYLE: italic">Resala’s Band</span>, com arranjos de Carlos Pipper e Chiquinho de Moraes. Foram suficientes duas sessões de seis horas de duração, no estúdio da Rua Dona Veridiana.<span style="font-size:130%;">*</span> </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_xcYG7mGeeFoZcdmhqlWPS5x5a9ePCvBeufRhMyJFpfud5cxK74T0WEC8EEK_OL-gujB2FohLjH_gF7vhJbs3s-kr4HRKcXaTTWYV6DiPNCq_P2jPb3rdXGLq0z9i93C0pXKJxxPm1B-a/s1600-h/cap24.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329787301647278386" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 305px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_xcYG7mGeeFoZcdmhqlWPS5x5a9ePCvBeufRhMyJFpfud5cxK74T0WEC8EEK_OL-gujB2FohLjH_gF7vhJbs3s-kr4HRKcXaTTWYV6DiPNCq_P2jPb3rdXGLq0z9i93C0pXKJxxPm1B-a/s400/cap24.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Quando os músicos chegaram para a sessão regida por Chiquinho de Moraes, o maestro acabava de escrever o arranjo de <span style="FONT-STYLE: italic">Alfie</span>, de Burt Bacharach. O solo, entregue a Casé, entrou para uma antologia a que poucos tiveram acesso. Na contracapa do disco, o texto informava que a orquestra não havia sido formada apenas para gravar, mas para “se apresentar nos melhores bailes em todo o país”. Fez cinco e se desfez. Turquinho ainda insistiu. Formou mais adiante o Jongo Especial, em que Casé chegou a ter algumas atuações. Em 82, após uma apresentação em Avaré, o baterista abandonou as baquetas e foi trabalhar com cavalos de raça. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O mercado de trabalho adquiria um outro contorno, fragmentava-se numa funcionalidade cada vez mais estreita e demarcada. Uma delas: compor, arranjar, tocar em <span style="FONT-STYLE: italic">jingles</span> e trilhas de filmes de propaganda. Resultava em faturamento mais alto e em sacrifício menor do que o exigido para trabalhar em casas noturnas ou para animar bailes a centenas de quilômetros de casa. Em direção à publicidade rumariam ex-protagonistas da noite, dos shows e das festas dançantes, como Nilton, primeiro baixista do conjunto do Casé. O mesmo faria Theo de Barros, ex-integrante do Quarteto Novo, autor de <span style="FONT-STYLE: italic">Menino das laranjas</span> e <span style="FONT-STYLE: italic">Disparada</span>, que em 74 ainda conseguiu montar uma orquestra para uma única sessão de gravação. Theo compôs e arranjou um jingle de 30 segundos para o uísque Old Eight, baseado em <span style="FONT-STYLE: italic">Strangers in the Night</span> e cantado por Décio Cardoso, cover de Sinatra. Casé participou. Chegou modesto como sempre. Theo, que o conhecia da noite, ficou impressionado: ele parecia ler duas partituras ao mesmo tempo – a dele e a do vizinho de estante, a quem com muito jeito sugeria correções.</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ><span style="font-size:130%;">*</span> <span style="font-size:78%;">Além de Turquinho, a cozinha contou com o piano de Paulo Lima, o baixo de Chu Viana e Gabriel Bahlis e a percussão de Rubão. Nos trompetes, Capitão, Buda, Cunhado e Waldyr. Nos trombones, Bil, Arlindo, Firmo, Paco e Iran. Nos saxes, Goiabinha (barítono), Hélio Marinho e Ribamar (tenor), Dinho e Casé (alto).</span></span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-16502789845371384482009-04-28T13:48:00.007-03:002010-09-14T16:15:41.405-03:00Capítulo 23<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">Aventuras rio-pretenses</span></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >Corria o mesmo ano de 1969 quando dois homens procuraram a casa da família Godinho, no Cambuci. Eram Renato Peres, sax barítono, e Boca, percussão. Estavam ali para convencer Casé a integrar o conjunto que estava em formação em São José do Rio Preto. Não seria um grupo qualquer. Teria bom repertório, bons músicos, bons contratos, conforme ia expondo Renato.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– E a grana? – quis saber o convidado.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Foi-lhe oferecido um dinheiro superior ao que seria recebido pelos demais músicos. Proposta aceita. Mudou-se para o apartamento de Renato, de quatro quartos, sala e cozinha amplas, em cima da Padaria Santos Dumond, na Vila Ercílio. Lá viviam também a cantora Heleninha, dona Maria, Vanda e Renatinha - repectivamente a mulher, a mãe, a irmã e a filha de Renato – e mais o baixista Tripa. Casé alojou-se num dos quartos, com a mala de roupas, o sax, um litro de martíni e livros sobre temas diversos - desde história da filosofia até vitamina C com texto em inglês, passando por uma inacreditável <span style="FONT-STYLE: italic">Enciclopédia Prática Comercial</span> em 12 volumes.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Logo de início se deu bem com tudo e todos. Embora não fosse o que se poderia considerar um bom garfo, apreciava a comida, em especial a polenta à bolonhesa e o macarrão feito em casa com frango ensopado. Às vezes assistia, ao lado de dona Maria, à novela <span style="FONT-STYLE: italic">Nino, o Italianinho</span>, com Juca de Oliveira, transmitida pela TV Tupi.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnl2mr23nsCLXiOJztAnlkFIiPCKxUtPfi2F2UOAENsmJGK5ygKmjoMWl4ZMgsTVJkQT7wy5nXS9hi9Ab3BW1EPLpEMmraZH3upl7rxe7UQqcHmqPz8D4stCW2uk84Kp4lSfV2fhA8Hfwj/s1600-h/cap23.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329786321686451298" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 365px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnl2mr23nsCLXiOJztAnlkFIiPCKxUtPfi2F2UOAENsmJGK5ygKmjoMWl4ZMgsTVJkQT7wy5nXS9hi9Ab3BW1EPLpEMmraZH3upl7rxe7UQqcHmqPz8D4stCW2uk84Kp4lSfV2fhA8Hfwj/s400/cap23.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Quando os ensaios começaram, na sala do apartamento ou no Clube do Lago, percebeu que estava bem cercado. Renato - ou Homão, como Casé preferia – era competente no barítono e adorava jazz. Boca, não bastasse ser um músico intuitivo, talentoso, fazia imitações de artistas como Jerry Lewis, Ronald Golias e Mazzaropi. Heleninha, sem se render exclusivamente às canções de sucesso fácil, interpretava autores como Edu Lobo. E o time se completava com outros profissionais experientes.* Outros músicos passariam pelo conjunto, como o trombonista Senô, com quem Casé havia convivido em Tupã, o baterista Wiliam Cegão, o tecladista Ezio Fortuna e o tenorista Silas de Souza.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Em dois carros, uma Rural Willis e uma perua Chevrolet Veraneio, viajavam pelo Interior de São Paulo, Mato Grosso, Minas e Paraná. Mais que baile, o que faziam era baile-show. À abertura feita com <span style="FONT-STYLE: italic">Harlem Noturno</span> emendavam <span style="FONT-STYLE: italic">Corrida de Jangada</span>, de Edu e Capinam. A uma certa altura da noite, os músicos, sem parar de tocar, invadiam a pista de dança. Um êxtase. Depois, era só retornar a Rio Preto e passar alguns dias dedicando-se à folga e à criação de arranjos. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Dia de ensaio, Renato havia viajado. Heleninha preparava o almoço para os músicos, Casé entrou na cozinha.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Ô Turca, não leve a mal. Eu queria permissão pra pegar o barítono do Renato.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O instrumento era grande para ele. Levantou-se e, com um dos pés apoiando o sax, tocou <span style="FONT-STYLE: italic">My Funny Valentine</span>. Saiu tão bonito que um silêncio emocionado ocupou a sala, invadiu a cozinha e se transformou em lágrimas escorridas pelo rosto de Heleninha. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Um dos maiores músicos do mundo está aqui! </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Era Boca, durante entrevista à Rádio Independência. Mas quem disse que Casé esperava um tratamento diferenciado na cidade? Preferia sentar num banco de praça, brincar com cachorros da rua, fisgar piapara do rio Turvo na companhia agitada e falante de Mario Peres. Ou, ao lado de Boca e Mario, entrar no Pinguim, na Salada Paulista, num bar qualquer, pedir uma dose e subitamente gesticular como se estivesse regendo ou tocando bateria.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– É isso aí. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Era como se festejasse ao final da mímica. Mais um arranjo, este feito de cabeça, para se juntar aos que fazia assobiando nos quartos de hotel. </span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >***</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O conjunto continuava a colecionar admiradores e contratos. Os ensaios eram feitos com toda seriedade. Se necessário fosse, Casé corrigia acordes e até se sentava à bateria para mostrar uma passagem, sempre com muito cuidado para não ferir os colegas:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Dá licença; desculpa, viu?</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O resto era viajar, tocar, às vezes enfrentar imprevistos para cumprir compromissos durante os quais se enxugavam até dois litros de uísque. Em Araxá, o baile não teve sax alto, cujo titular ferveu de febre depois de ter passado horas dormindo sob sol forte, à beira da piscina. Em Monte Aprazível, inventou-se uma tendência para acobertar a ausência do baterista (“Agora é assim, o pessoal do Severino Araújo também está tocando sem bateria”, mentiu Renato). A caminho de Promissão, a Rural Willys furou um pneu dianteiro e capotou três vezes. Heleninha quebrou a clavícula, Casé teve luxação numa costela, mas só o primeiro dos quatro bailes de Carnaval ficou sem eles. Em Campo Grande, a polícia invadiu o hotel, expulsou os músicos, revirou as malas e não achou nada que justificasse um flagrante. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Baile de <span style="FONT-STYLE: italic">réveillon</span> em Corumbá. À meia-noite, os músicos tocam a indefectível valsinha que despacha o Ano Velho. Cadê Casé? Boca o avista sentado numa escadaria atrás do palco, sozinho, mexendo em alguma coisa que esconde ao perceber a aproximação do ritmista. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Feliz Ano Novo - arrisca-se Boca.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Obrigado. Mas...porra!</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Uma pausa. Ele continua:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Vou te falar uma coisa. Falam que eu sou isso, que eu sou aquilo, mas grande foi ele.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >E mostra o que havia escondido no bolso do paletó momentos antes. Uma foto de Clóvis.</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >***</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Numa fase de estiagem de bailes, Renato levou os músicos a Mirassol, cidade próxima de Rio Preto, em busca da ajuda da mãe-de-santo Dona Cida. Casé ciciou um “mas, porra...” e seguiu o cortejo. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Começa a sessão. Dona Cida aproxima as mãos das costas de cada um e faz uma primeira observação:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Tem coisa pesada aqui.</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Casé exercita o velho tique de pressionar o pulso esquerdo com a mão direita. A mulher conduz todos ao quintal da casa, incendeia círculos de pólvora, faz o descarrego, abaixa-se aos pés de Chico Sala e olha para Renato. “Um dos seus músicos vai morrer assim”, ela diz, babando uma saliva esbranquiçada. Menos de um mês depois, Chico está na porta de um bar conversando com Boca. “Me ajude”, ele pede, antes de cair de costas na calçada. A espuma lhe escapa da boca. Morreu na maca, chegando ao hospital. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Outro músico da cidade que passou por maus bocados foi o trompetista Mané Careca. Pai de cinco filhos, sofreu um derrame que o impediu de trabalhar. Para ajudar a família, o pianista Roberto Farath organizou um show no dia de Santa Cecília, no Automóvel Clube. Noite de gala. Escreveu para orquestra de cordas e coral. Casé, embora não conhecesse o colega que seria beneficiado, encarregou-se dos arranjos para quatro trombones, cinco sax, quatro pistons e cozinha. Em <span style="FONT-STYLE: italic">Mambo Jambo</span> pôs cinco baterias para tocar. No <span style="FONT-STYLE: italic">Harlem Noturno</span>, tirou agudos em regiões até então inalcançadas.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Foi uma fase de boemia preguiçosa, muitos amigos, alguns estremecimentos com Renato e reencontros com Paulo Moura, que algumas vezes esteve na cidade em visita a parentes. Casé conseguiu ficar dois anos e meio em Rio Preto. Quando retornou a São Paulo, não tinha sax para tocar. Paciência. Não era a primeira vez que ficava sem o instrumento, e sempre havia quem lhe emprestasse. A vida, o show, os bailes continuavam.<br /><br /></span><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:85%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;"><span style="font-size:130%;">*</span> Além de Tripa (baixo), Nestor (bateria), Chico Sala (piston), Mario Peres, irmão de Renato (clarinete e sax tenor) e Pedroca (teclado).</span></span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-55682845104476759182009-04-28T13:38:00.007-03:002010-09-14T16:09:42.800-03:00Capítulo 22<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" >Tim Maia espera</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >Ainda ecoavam em 1969 os versos de <span style="FONT-STYLE: italic">O Bom</span>, iê-iê-iê em que Eduardo Araujo se gabava de ter um carro vermelho, de usar bota sem meia, ter muitas garotas e ser invariavelmente considerado o melhor entre os dez mais. O intérprete, porém, andava em busca de outro caminho. Chamou para trabalhar com ele um carioca a quem o produtor e compositor Carlos Imperial se referia com insistência, um certo Tim Maia, que andava por São Paulo à cata de trabalho depois de ter-se metido em encrencas pesadas no Rio e, antes, em Nova York.<br /><br />Eduardo chamou Tim para produzir o disco. Começou a nascer o LP <span style="FONT-STYLE: italic">A Onda é Boogallo</span>, que seria lançado pela Odeon. Era preciso formar uma banda com metais e uma cozinha que garantissem um apoio <span style="FONT-STYLE: italic">soul</span>, como tinham Otis Reding, Wilson Picket, James Brown e Aretha Franklin.<br /><br />Os convocados para fazer arranjos e tocar trompete e sax alto foram Waldir Arouca e Casé. O baterista seria Paulinho Braga, contratado depois da reprovação em teste de onze candidatos ao cargo. Nivaldo Ornelas, com o sax-tenor, alinhou-se ao grupo, que tinha outros músicos bem conceituados.<span style="font-size:130%;">*</span><br /><br /><br />– Cuidado! Ele dá mancada.<br /><br />Eduardo ouviu mais de uma vez a advertência, feita nas rodas em que anunciava a participação de Casé. Deu-se o contrário: ele se mostrou pontual. Mais ainda, entusiasmou-se e divulgou o trabalho aos colegas. Muitos transformaram em ponto de encontro o Hotel Danúbio, onde Eduardo morava e eram feitos os ensaios.<br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwTvZfkN-zD4iYMYZmtz_dmx7aWJn-RSb_VxMG7ED_SEkIvchMh1N_1SDyljwpTVYDRHeyDId9O_gj3Vv6D9CHgINHm4Id-gOsVAU9-l_924IryKsihZl0BGXGrxWq96cwey2zTvawdLd0/s1600-h/cap22.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329784182767928770" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 365px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwTvZfkN-zD4iYMYZmtz_dmx7aWJn-RSb_VxMG7ED_SEkIvchMh1N_1SDyljwpTVYDRHeyDId9O_gj3Vv6D9CHgINHm4Id-gOsVAU9-l_924IryKsihZl0BGXGrxWq96cwey2zTvawdLd0/s400/cap22.jpg" border="0" /></a><br />Quando estreou na TV Excelsior, fez-se um burburinho atrás da cortina entre técnicos e artistas, surpresos com a energia da banda que, no entanto, teve duração curta. O LP tornou-se o embrião do primeiro disco de Tim Maia, lançado em 1970, com as mesmas palmas e coros, a participação de três músicos que gravaram <span style="FONT-STYLE: italic">A Onda é Boogaloo</span> - Capacete, Paulinho e Garoto – e arranjos de <span style="FONT-STYLE: italic">Primavera</span> e <span style="FONT-STYLE: italic">Jurema</span> assinados por Arouca. O arranjo de <span style="FONT-STYLE: italic">Você</span>, que Tim gravou no disco seguinte, em 71, é o mesmo feito originalmente para Eduardo. Tim e Casé tornaram-se amigos. Passaram a trabalhar juntos. O saxofonista participou da banda que esteve com o cantor num programa especial da TV Record, acompanhou-o ao Rio para fazer shows, mas um dia desistiu de viajar. Deixou Tim Maia esperando.<br /><br /><span style="font-size:130%;">*</span> <span style="font-size:78%;">Pedrinho, irmão de Casé, no barítono, Mauro Miola (trompete), Ari (guitarra), Garoto (vibrafone), Zezinho (piano e órgão Hamond) e Capacete (baixo) Nos vocais, Tim Maia, Golden Boys, Trio Esperança e Silvinha Araujo. No repertório, versões de músicas americanas feitas por Eduardo, Chil Deberto e Tim.</span><br /></span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-24363482532852154522009-04-28T13:19:00.018-03:002010-09-14T16:08:48.953-03:00Capítulo 21<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">Octopus nas alturas</span></span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >Novamente em São Paulo. Bastava a notícia correr no Ponto que chegavam a Casé convites para fazer bailes, gravar trilhas, fazer programas de televisão. Na orquestra de Osmar Milani, reencontrou Pedro Contesini, dos tempos do Cuba Danças, e se tornou amigo do pistonista pernambucano Odésio Jericó. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Em 67, o Zimbo Trio foi à casa da família Godinho. Quem fez a recepção foi Isabel. Em seguida chegou Casé, levemente mal humorado, vindo da gravação de um programa de tevê. Rubinho, Amilton e Luiz Chaves estavam ali para, coincidentemente, convidá-lo para um trabalho na televisão, um programa de jazz na Bandeirantes. </span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >- Vocês são três cobras, faz tempo que não pratico, preciso estudar para tocar com vocês.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Difícil entender a recusa. Na mesma época ele havia participado com destaque de uma edição do <span style="FONT-STYLE: italic">Show em Simonal</span>, na TV Record, para deleite do engenheiro de som do programa, José Eduardo Homem de Mello, o Zuza, que na década anterior havia sido o titular da coluna <span style="FONT-STYLE: italic">Folha do Jazz</span> da <span style="FONT-STYLE: italic">Folha da Manhã</span>. Em 58, para estrear no jornal o <span style="FONT-STYLE: italic">Teste da Cabra Cega</span>, Zuza conseguiu o inimaginável: fez Casé falar muito mais do que o habitual.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4PkqXNQKLvcD9NqQhJxgMjKym7oxyrG59oJ8hx6ok2cymr0Yar4BSy-tz76J2YYMtY9fZf1zgoLfoUJ-xcimlXcvhBKQQv5uGiEPQ7x2YQMWSSdikWhmQ8PttDMiC5wlUEFcw5-uN3D9K/s1600-h/cap21b.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329780550324769570" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 365px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4PkqXNQKLvcD9NqQhJxgMjKym7oxyrG59oJ8hx6ok2cymr0Yar4BSy-tz76J2YYMtY9fZf1zgoLfoUJ-xcimlXcvhBKQQv5uGiEPQ7x2YQMWSSdikWhmQ8PttDMiC5wlUEFcw5-uN3D9K/s400/cap21b.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Extraída do <span style="FONT-STYLE: italic">Blindfold Test</span> da <span style="FONT-STYLE: italic">Down Beat</span>, a coluna convidava o entrevistado a ouvir discos de intérpretes não revelados para identificá-los, dar-lhes notas de zero a cinco e opinar sobre faixas gravadas em épocas diversas. Casé deu 2 a Lee Konitz, elogiou Charlie Parker, comparou o sentimento de Lester Young ao clarinete com o de Orlando Silva cantando, deu a nota máxima tanto a Horace Silver e os Jazz Messengers como a Stan Getz, achou Johnny Hodges envelhecido, Paul Desmond cansativo e Sonny Rollins excêntrico.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Dez anos depois de dar essa opinião sobre Rollins, Casé embarcou num projeto que teria, por coincidência, a excentricidade como elemento mais marcante. Foi contratado para fazer parte do Brazilian Octopus<span style="font-size:130%;">*</span>, o grupo que tocaria no show <span style="FONT-STYLE: italic">Momento 68</span>. A multinacional Rhodia produziria, para se promover, um espetáculo que lançaria mão de uma série de ousadias num dos mais tensos períodos da ditadura militar. Chamou Millôr Fernandes para escrever, Ademar Guerra para a direção de cena e Rogério Duprat para a direção musical. Os ensaios duraram seis meses. No elenco, Walmor Chagas, Raul Cortez, e, liderando os bailarinos, Lenny Dale. Para cantar, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Eliana Pittman. Coisa fina: contrato de um ano, com polpuda remuneração. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Nos hotéis, Casé dividia apartamento com Carlos Alberto Alcântara, amigo de outros carnavais. Mantinha os longos silêncios de sempre, a qualquer momento interrompidos por súbita loquacidade. De repente, “mas, porra...” – e as reticências o levavam de volta à introspecção. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Público em êxtase, crítica fascinada, o Octopus nas alturas, o show segue rumo às capitais do Brasil, a Buenos Aires, a Lisboa. Em Salvador, às sete da noite, os artistas começam a se preparar para sair em direção ao teatro. Alcântara tira da bagagem uma vitrola portátil e põe um disco de Cannonball Adderley. Casé ouve em silêncio. Pede para ouvir de novo. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Vamos, tá na hora – lembra o dono do elepê. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Não vou tocar depois de ouvir esses caras.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Deu trabalho, mas Alcântara conseguiu fazê-lo mudar de ideia. Conhecia bem o parceiro, sabia lidar com ele. Um dia, em Buenos Aires, ao voltar à noite para o hotel, encontra no apartamento um Casé aceso.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Mosquitão, some que eu tô a fim da camareira.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Recomendação atendida. Alcântara volta quase duas horas depois e encontra Casé dormindo. Não resiste à curiosidade:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Conseguiu?</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Tá quase – é a resposta sonolenta.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >No dia seguinte, com o auxílio diplomático do companheiro de quarto, conquistou a moça. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdBzUuOKxahDAstNeZNXr8GFSEuSAJxQtFs2dDvGzgoZmwnYE8xtGpUE8NG4ff25XfEr3rthajd7j2hNlrqmNKFujlD6EN62hIcRY5NdC89kB0dkCG2PhhqlPN8viRL14cnI5oYgk0QHCU/s1600-h/cap21a.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329780920004933058" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 289px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdBzUuOKxahDAstNeZNXr8GFSEuSAJxQtFs2dDvGzgoZmwnYE8xtGpUE8NG4ff25XfEr3rthajd7j2hNlrqmNKFujlD6EN62hIcRY5NdC89kB0dkCG2PhhqlPN8viRL14cnI5oYgk0QHCU/s400/cap21a.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >O Octopus arrasa. Grava, com o saxofonista japonês Sadao Watanabe, o disco S<span style="FONT-STYLE: italic">adao Meets Brazilian friends</span>. No repertório, entre outras, <span style="FONT-STYLE: italic">Bim-bom</span>, de João Gilberto, <span style="FONT-STYLE: italic">Jequibau</span>, de Ciro Pereira e Mário Albanese, <span style="FONT-STYLE: italic">Eu e a Brisa</span>, de Johnny Alf, e <span style="FONT-STYLE: italic">Barquinho Diferente</span>, de Sérgio Augusto. No estúdio, Casé, tímido, reluta em se soltar. O japonês insiste, ele acaba cedendo e improvisa em </span><span style="COLOR: rgb(153,153,153); FONT-STYLE: italic">Bossa na Praia</span><span style="COLOR: rgb(153,153,153)">, de Pery Ribeiro e Geraldo Cunha. </span><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >Em poucos minutos, Alemão já não duvida: “Ele engoliu o Watanabe.” Em carta enviada a Hidenori Sakao, baixista residente em São Paulo, o jornalista Mamoru Oshima, primeiro crítico do Japão a se interessar por música brasileira, refere-se ao disco e, em especial, ao saxofonista mineiro: “Esse Casé é muito bom.”</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O gordo salário da Rhodia saía todo dia 2. Uma vez, constrangida, a encarregada pelo pagamento informou que haveria um atraso - nada grave, no máximo uma hora até que chegasse o dinheiro. Ouviu-se uma frase seca diante do guichê:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Parei!</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdh7u4jLqdzyGys1Qwq-ROAS8MT6SwkCEXV6pi998-CtWGSLr8lS0g9qLlfEpW5BbHXwQT-DxjXXqFf1-rMaQ4RIH944Z9P-Ko4a9UbXTKVMSwF4nghOS6cKJSr-5uFaFrtU_rYPY2uKxK/s1600-h/cap21d.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329781907835701794" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 285px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdh7u4jLqdzyGys1Qwq-ROAS8MT6SwkCEXV6pi998-CtWGSLr8lS0g9qLlfEpW5BbHXwQT-DxjXXqFf1-rMaQ4RIH944Z9P-Ko4a9UbXTKVMSwF4nghOS6cKJSr-5uFaFrtU_rYPY2uKxK/s400/cap21d.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Era Casé. Novamente Alcântara faz embaixadas para convencê-lo a ceder. Passa um mês, mais um, e outro, o dinheiro é bom, mas quem disse que Casé se submete a uma rotina, com tanta coisa interessante a ser feita fora dela? Um dia, parou de vez. Foi substituído por Hermeto Pascoal. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRHXyICQUDmseOEkkLW_ncRrpv74yDhNIorlevLhGXvuXJCRvIWx13pABd1FeLzkvtFxwlKJQfjEvCUeAvpX1QRoI6cPVZHlPorGe6YPsQoAeZGpsFrhTScwW3QZiRuzqwb4FhSS9vb_wi/s1600-h/cap21c.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329782205032897602" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 207px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRHXyICQUDmseOEkkLW_ncRrpv74yDhNIorlevLhGXvuXJCRvIWx13pABd1FeLzkvtFxwlKJQfjEvCUeAvpX1QRoI6cPVZHlPorGe6YPsQoAeZGpsFrhTScwW3QZiRuzqwb4FhSS9vb_wi/s400/cap21c.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >No mesmo ano de 1968, fez temporada ao lado de Paulinho Preto, Sakao e Ratinho no Mont Blanc. Todas as noites, numa galeria da Brigadeiro Luiz Antônio, perto da Paulista, tocando só jazz, bossa nova e samba a pedido da proprietária, Mama San, e da clientela, composta sobretudo por japoneses. Casé transita bem pela colônia. Um produtor, Mario Okuhara, convida-o a gravar o <span style="FONT-STYLE: italic">Álbum Musical Romântico</span> pela Astrophone Records. A sessão vai começar. Okuhara aproxima-se do saxofonista e lembra:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Não é jazz, hein? É música romântica. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Eu sei.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Nunca ouvira antes <span style="FONT-STYLE: italic">Como Está Akasaka</span> e <span style="FONT-STYLE: italic">Sakamiti no Club</span>, entre outras músicas cujas partituras lhes são estendidas no estúdio. Uma das faixas abre oito compassos para um solo. Casé vira-se para o amigo Sakao, que na gravação toca piano, e pede permissão:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Sakao, posso brincar aqui?</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Autorizado, faz um improviso poético, com exata pronúncia oriental, rigorosamente dentro do pretendido pelo produtor. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Dois anos depois, gravou trilha de publicidade para televisão do barbeador Hitachi Gelmi. Até aí, nada demais. Novidade foi sua estreia e despedida da carreira de ator, no filme exibido só no Japão, em que fingiu tocar o instrumento com eloquente dramaticidade. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ><span style="font-size:130%;">*</span> <span style="font-size:78%;">Casé (sax alto), Carlos Alberto Alcântara (tenor) e Valdir Arouca (trompete). Cido Bianchi (piano), Douglas de Oliveira (bateria), Matias Matos (baixo), João Carlos Pegoraro (vibrafone) e Alemão (guitarra)</span></span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-13803490875136509762009-04-28T13:16:00.006-03:002010-09-14T16:04:46.570-03:00Capítulo 20<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" >Harlem no trem</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >A bossa nova e o iê-iê-iê permeavam a música popular. Casé passou por ambos como prestador de serviço - algumas gravações, algumas participações no Sambossa 5, que atuou em espetáculos do <span style="FONT-STYLE: italic">Fino da Bossa</span> no Teatro Paramount, comandados por Elis Regina e Jair Rodrigues.<br /><br />Em 1966, paralelamente ao avanço dos grupos pequenos, justamente moldados ao iê-iê-iê e à bossa nova, as orquestras continuavam a subsistir no mercado dos bailes. Em Catanduva, a 380 quilômetros de São Paulo, a J. Rodrigues reunia músicos da região e da Capital. Para fazer o primeiro sax alto, andou por lá o italiano Giuseppe Bove, que além de músico era <span style="FONT-STYLE: italic">luthier</span> capaz de recuperar saxofones estropiados. Godinho deixou Jaboticabal, onde passara temporada como ensaiador da orquestra Sul América, e rumou para Catanduva. Quando Bove resolveu retornar a São Paulo, Godinho providenciou sua substituição. Ligou para Casé e apresentou-lhe as condições de trabalho: cachês muitas vezes superior aos dos demais músicos, dois ensaios por semana num salão da Vila Mota e hospedagem no tradicional Hotel Acácio, de boa cozinha.<br /><br />A primeira rodada de bailes seria feita no Norte do Paraná, começando pela cidade de Primeiro de Maio. A orquestra partiu de Catanduva num ônibus desconfortável, pintado de amarelo e laranja. Viagem difícil, debaixo de chuva. O pessoal desembarcou cansado, a roupa respingada de lama. Quando chegou ao clube lá estava, elegante, o novo saxofonista. Viajara de São Paulo a Londrina de ônibus, e depois de táxi para Primeiro de Maio. Enquanto a turma se acomodava no palco, o estreante ia se apresentando a um por um: “Muito prazer, Zé Ferreira Godinho”.<br /><br />A orquestra era boa. Saía-se bem na afinação, nos timbres, balançava no samba, mas seus integrantes sabiam que agora estava entre eles um músico excepcional. “Acho que ele está fazendo um teste”, pensou o trombonista Armando Maria. Após a terceira entrada, enquanto lanchava no bar do clube, Casé finalmente se manifestou:<br /><br />– Gostei dos naipes.<br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFX_z0RgukZwcUiSblEMIWC5SRNAWxdN-LIGBOYYMD8whbYHiAkMzgaHVsY14laTYC5Fvj6GSlGD_F5qW9XaSpFNKyfy69o6KghNBdhgod9dT826e5zfOIdiwNMYdW-brAqFjo6aVUoVq0/s1600-h/cap20.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329777284761250610" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 210px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFX_z0RgukZwcUiSblEMIWC5SRNAWxdN-LIGBOYYMD8whbYHiAkMzgaHVsY14laTYC5Fvj6GSlGD_F5qW9XaSpFNKyfy69o6KghNBdhgod9dT826e5zfOIdiwNMYdW-brAqFjo6aVUoVq0/s400/cap20.jpg" border="0" /></a><br />Alívio geral. Ele não só permaneceu como passou a se envolver com a orquestra, que lhe apresentava regalias e novos bons companheiros – entre eles o ritmista Bororó, excelente papo e um copo respeitável. Durante uma viagem no trem saído de Penápolis para uma temporada em Mato Grosso, o único a ter à disposição cabine com leito foi Casé. Em resposta ao privilégio, ele escreveu durante o itinerário a grade com um arranjo para <span style="FONT-STYLE: italic">Harlem Noturno</span>. Outra prova de que estava gostando da experiência viria pouco tempo depois, quando apareceu com partituras contendo um tema criado por ele para ser prefixo da J. Rodrigues. Sem falar no método escrito a caneta tinteiro que levou para o pessoal, numa época de difícil acesso à informação – tudo com direito a dicas. “Evitem o glissando”, sugeria aos trombonistas Mauro, Armando e José Maria, que por sua recomendação levaram os instrumentos a São Paulo para uma reforma. A orquestra cresceu com a presença e o incentivo dele. “Vai, vai!”, gritava, enquanto o trompetista Orlandinho de Paulo buscava notas cada vez mais altas nos solos de <span style="FONT-STYLE: italic">Cerejeira Rosa</span>.<br /><br />No mais, entre idas e vindas a São Paulo, restava-lhe aproveitar a vida na cidade – os martínis entornados em companhia de Bororó e de mulheres da noite no bar do Giacomo, na Estação Rodoviária, e, claro, as pescarias no final da tarde. Ia andando, geralmente acompanhado por Bororó, às vezes por Pedro, filho do maestro João Rodrigues. Equipado com vara de bambu e uma lata de extrato de tomate contendo minhocas, poderia ser confundido com um morador qualquer, não fosse a calça preta com o vinco bem marcado, o gabardine da camisa vermelha de mangas compridas e o sapato lustroso com que pisava as ruas de paralelepípedo e terra em direção ao Ribeirão São Domingos e ao Córrego dos Tenentes. Ia em busca de traíras, lambaris, bagres e, mais que tudo, de quietude.<br /><br />Sentia-se à vontade tendo à frente o que lhe interessava – gente simples como ele, uma orquestra eficiente, a jogatina nas viagens. Até o dia em que comunicou aos companheiros que iria parar. Passou por Tupã e se alinhou à orquestra de Leopoldo por uma fase curta, marcada pela reclusão. Reclamava de dor de estômago, queixava-se dos rumos impostos aos profissionais da música. Leopoldo tratou de encomendar ao trombonista Senô Bezerra um arranjo que levantasse o ânimo do saxofonista. Senô apareceu com <span style="FONT-STYLE: italic">Samba Holandês</span>, de sua autoria, transbordante de notas. Mais um solo impecável de Casé em primeira leitura.</span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-80474271253670592912009-04-28T13:14:00.005-03:002010-09-14T16:03:46.313-03:00Capítulo 19<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">Ditadura, calouros e bailarinas</span></span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >O Brasil entra no período ditatorial de 1964. O repertório político fica mais próximo das polcas militares do que dos improvisos jazzísticos e das harmonias bossa-novistas. Nessa fase de brabeza, também os músicos dançam miudinho. Uma vez por ano são obrigados a se apresentar à Polícia Federal para renovar uma carteira expedida pelo Departamento de Censura de Diversões Públicas.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgtne9KO-t9lm_BPmkvGIKGQRjDCLLjYhWKQYWsE9WLwDwTTHX6gcSCdrr_S7BKw-RO3g3M4FMZpV7_0Qdsp53ymWDaa9kjGs0aThYY8GvlkX_DH15cPNNKzgcLYqkV4RT0fwB1PWNSlnK8/s1600-h/cap19.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329776667654221986" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 308px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgtne9KO-t9lm_BPmkvGIKGQRjDCLLjYhWKQYWsE9WLwDwTTHX6gcSCdrr_S7BKw-RO3g3M4FMZpV7_0Qdsp53ymWDaa9kjGs0aThYY8GvlkX_DH15cPNNKzgcLYqkV4RT0fwB1PWNSlnK8/s400/cap19.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >A essa altura, o acordeonista e pianista José Batista da Silva, o Zezinho, já comandava o quinteto formado para tocar no programa de Silvio Santos na TV Paulista. Juntar o grupo foi fácil. O pernambucano Zezinho convidou o trompetista Dorimar, o baixista Gerson e o baterista Edilson. Para o sax, chamou o músico que, assim como o conterrâneo trombonista Bil, ouvia falar desde o tempo em que vivia no Recife: Casé.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Zezinho levou os colegas, um a um, à sala de Silvio para fazer o acerto durante uma conversa muito objetiva: cada músico deveria chegar à emissora às 11 horas do domingo. Entraria no palco ao meio-dia para acompanhar calouros e artistas, que levavam arranjos para leitura à primeira vista. Tudo sem ensaio, com uma ou outra introdução escrita pelo maestro. Mais adiante o conjunto tornou-se meia orquestra, com o acréscimo de mais um sax, um piston e dois trombones, e andou fazendo bailes. Lançou uma série de LPs pela Chantecler - <span style="FONT-STYLE: italic">Zezinho e seu sambalanço</span>, <span style="FONT-STYLE: italic">Os craques da música</span> e <span style="FONT-STYLE: italic">É uma brasa para dançar</span> em dois volumes. Casé participou apenas do segundo, uma coletânea do iê-iê-iê que tocava no rádio em 1967, com arranjos opacos para respaldar abundantes solos de órgão. O saxofonista já não mais prestava serviços regularmente a Silvio Santos. Zezinho continou no programa e, embora apenas parcialmente, tornou-se muito conhecido dos telespectadores. Era dele a mão que, em close, acionava as teclas do piano no quadro <span style="FONT-STYLE: italic">Qual é a música</span>? </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Fora do programa de tevê, Casé continuou atuando sem vínculos, como de costume. Elly estava sempre à sua espera, havia um programa de televisão para fazer aqui, um baile ali, uma orquestra montada às pressas para acompanhar um cantor estrangeiro, e a vida continuava. Trabalho não lhe faltava. De repente, o telefone tocava e, pouco tempo depois, sem ensaio, ele entrava no ar pela TV Tupi, participando como substituto da orquestra de Elcio Alvarez. Em seguida, a turma ia para a Padaria Real, ao lado da emissora, na esquina da Dr. Arnaldo com Alfonso Bovero, ponto de encontro de artistas e técnicos.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Um dia, por volta de 11 da manhã, as bailarinas Lindinha e Sonia Gallo conversavam na Real encostadas num <span style="FONT-STYLE: italic">freezer </span>da Kibon. Eram jovens, alegres, uma de minissaia, outra de calça boca-de-sino, ambas de blusa de alcinha e sem sutiã. Lembravam às gargalhadas de um programa que haviam feito, levado até o fim mesmo depois de Lolita Rodrigues ter despencado dum balanço em meio a uma inspirada interpretação de <span style="FONT-STYLE: italic">La Violetera</span>.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Vou te apresentar a um maestro - disse Lindinha à amiga, e apontou para Casé, vestido com uma camisa quadriculada de mangas compridas apesar do calor. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Os três procuraram uma mesa. Ele agarrava uma pasta com uma das mãos e um copo com a outra. A Sonia pareceu tímido, triste. A impressão mudou quando, pouco antes de se despedir, ele a cobriu de elogios. Mudou mais ainda depois que Lindinha passou a relatar à amiga detalhes de um encontro, bem mais íntimo, tido anteriormente com o músico.</span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-58798029924802678022009-04-28T13:08:00.006-03:002010-09-14T16:02:51.878-03:00Capítulo 18<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">Silêncio oriental</span></span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >O contrabaixista Minoru Shioda chegou ao Brasil em 1959, aos 30 anos. No Japão do pós-guerra, fazia jazz em clubes, hotéis e bases militares americanas. Arranjou trabalho em São Paulo. Numa noite de 63, enquanto tocava no Black Jack, na rua Ceci, perto da TV Record, viu Ratinho entrar. O baterista vinha convidá-lo a juntar-se ao conjunto de Casé. Shioda começou a fazer na casa dos Godinhos, no Cambuci - agora na rua Lavapés -, os ensaios que também podiam ser realizados no Clube Banco do Brasil, no Bom Retiro. Inicialmente o baixista estranhou o jeitão de Casé. Não limpava o instrumento depois de tocar, largava-o num armário sem portas e em seguida convidava os colegas: “Vamos pro Ponto?”. Logo, porém, tornaram-se bons amigos. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Por intermédio de Shioda e de outro baixista japonês, Hidenori Sakao, abriu-se para Casé uma visão oriental de mundo. De carro, apanhava Shioda em casa, na Liberdade. “Vamos para um lugar onde não tenha músico, agitação, nem ruído”, determinava. E tomava o rumo de restaurantes japoneses na Alameda Santos ou na 13 de Maio. Bebia, manuseava os palitos, mas o melhor de tudo era o fato de os japoneses não lhe estranharem o silêncio. Ele era assim, e assim era aceito pelos novos amigos.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O conjunto ia bem, obrigado. Gravou, em 63, <span style="FONT-STYLE: italic">Meu baile inesquecível</span>, pela RGE, que reuniu as orquestras de Dick Farney, de EÉlcio Alvares e a de Pocho, o grupo de Luiz Loy e o Arpége, os Guarujá Boys e o Conjunto de Ritmos OK. O disco vinha reforçar o esquema de vendas de bailes de Waldomiro Saad. Repertório à la carte: Casé gravou <span style="FONT-STYLE: italic">Summertime</span>, Dick optou por <span style="FONT-STYLE: italic">Aquelos Ojos Verdes</span> e <span style="FONT-STYLE: italic">Meditação</span>, Elcio Alvares por temas de seriados americanos de televisão e assim por diante. A Pocho coube <span style="FONT-STYLE: italic">O RabinoQquer nos Ver Alegres</span>.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjpbcFyN89sqHg43RJkAoSlUbxG3OprB0k1AC-IVo6l6prDMsbjVhkTcbs6IMmoaSkyHALViDDdKjR6gl10eXpLGL0kaxy5ap-7Bd5a-t_Bh70FFuKceympT7gw4dxWwEEpjdpum0nnqpWy/s1600-h/cap18a.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329775634831862594" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 283px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjpbcFyN89sqHg43RJkAoSlUbxG3OprB0k1AC-IVo6l6prDMsbjVhkTcbs6IMmoaSkyHALViDDdKjR6gl10eXpLGL0kaxy5ap-7Bd5a-t_Bh70FFuKceympT7gw4dxWwEEpjdpum0nnqpWy/s400/cap18a.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Surgiram novas propostas de trabalho, uma delas para uma temporada em Campos do Jordão. Tudo se desenrola em paz na primeira semana. Na segunda, o saxofonista aparece no Ponto. Encontra-se com o trombonista Walter Azevedo, então começando a carreira. Faz um comentário enxuto sobre Campos - “é frio demais” - e outro para chegar a uma conclusão: “Não dá”. Pediu a Azevedo para ir representá-lo. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Ainda em 63, o grupo fez temporadas em Poços de Caldas e, em São Paulo, no Ichiban, aberto por Toshiro Ono, ex-dono do Black Jack. Ficava na Álvaro de Carvalho, atrás do Claridge. O saxofonista Sadao Watanabe apresentou-se por lá. Ex-aluno de Charlie Mariano em Berkley, não disfarçou a admiração diante da facilidade com que o colega brasileiro, formado no circo, no baile, na noite, tocou os mesmos instrumentos que ele. Modesto, Casé devolvia-lhe a flauta e dava um jeito de justificar a sonoridade que acabara de tirar:</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEie96kbHt9ijVN6YonX6FExEJ2sCAlHd8epYobQ-S84TA5Mo1KKMm2CFxlBO93boQRJAZ20NtAGQ4gSh7ZZ4DDhZjHF_3fa6PLjOKmNh3fgj4HNSbTatiTX06XPFE-wifWmJDv7GPZetBk5/s1600-h/cap18b.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329775868803003474" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 201px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEie96kbHt9ijVN6YonX6FExEJ2sCAlHd8epYobQ-S84TA5Mo1KKMm2CFxlBO93boQRJAZ20NtAGQ4gSh7ZZ4DDhZjHF_3fa6PLjOKmNh3fgj4HNSbTatiTX06XPFE-wifWmJDv7GPZetBk5/s400/cap18b.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Puxa, é só passar um vento que essa flauta toca sozinha... </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Enquanto isso ele flanava. Podia trabalhar na orquestra que estivesse de plantão no Avenida Danças, fazer substituições em outras - como as de Waldemiro Lemke e Luiz Arruda Paes –, acompanhar artistas como Angela Maria ou atuar em produções mais elaboradas. Numa delas, participou no Municipal de um espetáculo que mesclava jazz com erudito, numa orquestra dirigida pelo baixista Tibor Reisner. Ao seu lado, o saxofonista Alfredo Sanjorgio observava a naturalidade com que, após o trabalho, Casé migrava de uma sóbria dieta à base de leite para amplas goladas de martíni.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O conjunto de Casé durou pouco mais de quatro anos. Uma eternidade para quem, como ele, rejeitava quase tudo o que parecesse definitivo. A gota d´água caiu durante uma domingueira no Clube Badaró, na 24 de Maio. A turma toda apareceu no horário marcado - menos Adolar, amigo do peito, tenorista que entendia a importância de tocar junto, de pôr a música acima do ego. Havia morrido na véspera, em meio a um baile que fazia em Santos. O grupo tocou com eficiência até chegar a sempre aguardada <span style="FONT-STYLE: italic">Harlem Nocturne</span>, que o solista, em lágrimas, não conseguiu concluir. Daí para a decretação do fim do grupo foi um pulo.</span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-3201198742028889102009-04-28T12:49:00.013-03:002010-09-14T15:59:43.875-03:00Capítulo 17<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">Um chefe atípico</span></span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >Era com entusiasmo que o trompetista João Godoy falava sobre Casé a dois sobrinhos de Bauru. Adylson e Amilton enveredavam pela música, estudando piano e acordeom. No começo da década de 1960, os dois irmãos mudaram-se com a família para São Paulo. No ano seguinte, sem rodeios, João Godoy disse uma frase que deixou Adylson aturdido: </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– O Casé está precisando de uns músicos. Indiquei você. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Na infância, Adylson e Amilton haviam se apresentado para o saxofonista e Maciel Maluco, num encontro promovido pelo tio, em Bauru. Mas agora era diferente. “Tocar com o meu ídolo?”, tremeu o rapaz. Isso mesmo: estava nascendo Casé e Seu Conjunto , para fazer bailes e shows vendidos pelo empresário Waldomiro Saad. Pouco depois estavam os dois irmãos diante de Casé, que trazia uns discos de jazz debaixo do braço. “Vamos começar depois do Carnaval”, avisou. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Alguns dias depois, batem à porta do baixista Nilton de Siqueira Campos, no bairro de Santana. Ao abri-la, ele avista os irmãos Godoy ao lado da mítica figura do saxofonista. Nilton já o conhecia, já o havia acompanhado em canjas no Teteia, quando integrava o grupo de Kuntz Neegle. Nunca haviam conversado, e sem mais delongas lhe foi feito o convite para integrar o conjunto. “Ganhei na loteria”, pensou Nilton, antes da resposta dada sem titubeios: “É pra já”.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Passado o Carnaval, compareceram ao Cambuci todos os convidados de Casé. Além dos Godoy e de Nilton, os três irmãos Alcântara - o trompetista Maguinho, o saxofonista Carlos Alberto e o baterista Ratinho, junto com Flamarion (trombone) e Zaguinho (barítono). A cantora, loura, graciosa e magrinha, era Nívea - para os músicos, Olívia Palito. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Ensaiar não bastava; era preciso pensar no uniforme. Isso se resolveu rapidamente: foram todos à loja Pirani da avenida Celso Garcia, no Brás, e compraram calça preta, camisa volta ao mundo branca, blazer gelo - menos Casé, que ficou com um cinza-chumbo. Tempos depois, o guarda-roupa foi renovado. Entrou um modelo vestido pelo trompetista Kenny Dorham numa foto publicada pela <span style="FONT-STYLE: italic">Down Beat</span>, que um alfaiate judeu da Praça Silvio Romero se encarregou de confeccionar: calça azul, paletó azul claro, com lapela e punhos em cetim azul escuro. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuVhLn5a2ESULl3LYWSxEtQgUJXdP9kGFSHAZdk3MwSi26Pekad093yrqtx65XUjz6C63S0FyyUEiaaVNJcFz2Zo9E_skt5hI3OTAz0NiEgYx8bOwf7YaszYUzjxsdJb1W7WAB5yXPVIYW/s1600-h/cap17a.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329772799672972002" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 360px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuVhLn5a2ESULl3LYWSxEtQgUJXdP9kGFSHAZdk3MwSi26Pekad093yrqtx65XUjz6C63S0FyyUEiaaVNJcFz2Zo9E_skt5hI3OTAz0NiEgYx8bOwf7YaszYUzjxsdJb1W7WAB5yXPVIYW/s400/cap17a.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >A seleção de músicos e de repertório, os arranjos, o uniforme, tudo dava posição de destaque. A chegada de Casé e Seu Conjunto às cidades do interior provocava expectativa, despertava atenção até de prefeitos, que em certas ocasiões os aguardavam em companhia dos presidentes dos clubes. A nada disso, porém, o empresário Saad parecia dar importância. Reservava hoteis ruins e, para as viagens, cedia uma Chevrolet 1946, com as paredes laterais feitas de madeira. Ótima para servir de campo para batalhas de farinha e ovo, tinha lá seus inconvenientes: pifava com regularidade e não obrigatoriamente protegia os passageiros da chuva. Numa viagem entre São Paulo e Tambaú, deixou encharcada a bateria de Ratinho. Fez por merecer o apelido de Perua Morfética, esturricada após um baile em Aguaí. Adylson aproveitou um vazamento de gasolina e riscou o fósforo. Saad precisou mandar outro carro apanhar os músicos. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Nas viagens, Casé preferia ir ao lado do motorista, dividindo a atenção entre a estrada e a paisagem, atento e, de preferência, sem abrir a boca. Fingia-se bravo quando os companheiros entoavam a marcha em que advertiam, a propósito de uma nova namorada do chefe: “Casé, Casé/desta vez você não vai dar no pé/ Com a filha da velha você vai ter que se casar/Ora se vai”. Se conversasse, surpreendia com temas sobre os quais pouco se falava na época. Por exemplo, yoga e a aplicação terapêutica da música. “Só existe o eterno presente. É agora”, disse a Nilton uma vez. Daí para a música: “Quando você improvisa, não tem que pensar no que vai fazer nem no que fez. Tem que pensar no presente. Não pode pensar no compasso que foi nem no que vem, só na harmonia”. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Para longas trocas de idéias, seu interlocutor era um advogado: dr. Jackson, cujo escritório, na rua Marconi, Casé visitava esporadicamente. E para exercitar a mineiridade tinha parceria dos irmãos família Alcântara, nascidos em Uberlândia. Com um deles, Ratinho, dispensou a Perua Morfética após um baile em Fernandópolis e voltou a São Paulo de trem. Viagem de doze horas, consumidas em boa parte no restaurante. Entre conversas entrecortadas por longas pausas, olhando o cenário que se renovava lá fora, o saxofonista girava o copo com uma das mãos e o cigarro com a outra para arrematar: “Mas, porra...”</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Tratava-se de um atípico chefe de conjunto. Dar ordens não era com ele. Praticar o inusitado, sim – como no almoço num restaurante de beira de estrada. Ao seu lado na mesa, o sax barítono Prequeté – um dos músicos que passaram pelo grupo – assustou-se ao vê-lo pedir ao garçom um frango inteiro para cada um. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >A parte administrativa também tinha suas peculiaridades. Após os bailes tocados em São Paulo, o octeto era convocado a se dirigir ao Ponto. Lá, Casé punha o dinheiro, dobrado, no bolso da camisa dos colegas. Na direção musical, mostrava-se exigente e paternal. Quando Adylson, ainda um principiante, errava, o líder fazia expressão de desagrado, virava o sax em direção ao pianista e soprava, uma a uma, as notas do acorde. Mas não se furtava a dar dicas mais calmamente. Passou-lhe noções sobre escalas modais, abertura de acordes e apoio harmônico. Num ensaio, Adylson encheu as duas mãos para fazer o acorde mais robusto possível. Casé sentou-se ao piano e pressionou só cinco teclas. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Tá tudo aí.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O importante, ele dizia, era pôr as coisas na cabeça, depois no instrumento. Na casa de Ratinho, na Rua dos Pirineus, chamou a atenção do baterista ao vê-lo repetir exercícios em alta velocidade:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Ô, Rato, toca devagar que o rápido vem mais fácil.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Conhecimento técnico e teórico, segurança, inflexão, sonoridade, a tudo ele se entregava com a mesma dedicação. Era capaz de passar horas repetindo uma nota, insatisfeito com afinação e vibração, ao passo que parecia valorizar ainda mais qualidades como percepção e sensibilidade. Gostava de dividir o palco com Maguinho e Carlos Alberto especialmente por uma razão: “Vocês sabem tocar em naipe.” </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Para shows, o conjunto reduzia-se a sax alto e tenor, trompete, baixo e piano. Em 1962, quando os trios já começavam a se multiplicar, Armando Aflalo produziu as <span style="FONT-STYLE: italic">Noites de Jazz</span> do Teatro de Arena. Antes da estreia, o quinteto de Casé deu um pulo até o bar Redondo, na Ipiranga, para entornar uns conhaques. No palco, de posse dos instrumentos, Carlos Alberto observa um leve tremor nas pernas do vizinho de estante e não resiste à piada: “Ô Zé, tá tremendo?”. “Não enche o saco”, limitou-se a responder. Casé estava se livrando da influência de Paul Desmond e, inspirado em Cannonball Adderley, usava boquilha de tenor no alto. Os holofotes iluminam o grupo, e lá vem um repertório baseado em Donald Byrd, Chalie Parker e, naturalmente, Cannonball. Por dias o show foi assunto no Ponto.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Também na boate Lancaster, na Rua Augusta, o quinteto fez temporada de sucesso, em noites ecumênicas abertas por The Jet Blacks, que ganharam fama na Jovem Guarda e tinham entre os integrantes um músico formidável, o saxofonista Nestico. Mas nem tudo foram flores no tempo do conjunto. Em 63, surge para fazer um baile na Casa de Portugal um Casé azedo, que pelo primeira vez distribuiu broncas ríspidas aos colegas. Ele e Nilton por pouco não saíram aos tapas. O baixista deixou o grupo. Foi tocar com Elcio Alvarez, Ely Arcoverde, Walter Wanderlei e, finalmente, Os Vandecos, que acompanhavam a cantora Wanderléa e tinham, entre outros músicos, o pianista Viché e o guitarrista Alemão. O episódio ocorriso na Casa de Portugal logo seria superado. Nilton e Casé retomaram contado e voltaram a trabalhar juntos na gravação de peças de publicidade.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Logo de início, os estudos haviam tirado Adilson Godoy do conjunto. Mais adiante quem saiu foi Maguinho, após um baile com a orquestra de Simonetti, atração de um programa escrito por Jô Soares e Boni para a TV Excelsior. O maestro gostou e convidou-o a ficar. O dinheiro era bom. “Preciso falar com o Casé”, disse o trompetista. No dia seguinte, encontrou-se com ele perto do Ponto, no restaurante Spadoni, que servia de madrugada um <span style="FONT-STYLE: italic">brodo</span> restaurador.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >“Tem problema?”, Maguinho quis saber. E Casé, irritado: “Não tem problema nenhum”. Maguinho: “Posso acertar?” Casé, seco: “Pode.” No dia seguinte, pediu desculpas: “Ontem eu estava nervoso”. Tinha razões para isso. Maguinho o ajudava a liderar o grupo, e havia entre eles fina sintonia musical. Nem era necessário contar: olhavam-se, erguiam um pouco os instrumentos, respiravam e atacavam juntos. Oito meses depois, Simonetti foi embora para a Itália e passou a orquestra para Erlon Chaves.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Diversas foram as modificações ocorridas na formação do octeto de Casé.<span style="font-size:130%;">*</span> Para se alinhar aos sopros veio um músico que, além de tirar um som limpo e bonito do trombone, lia com extrema facilidade. Desde Pernambuco, seu estado de origem, Severino Gomes da Silva, o Bil, ouvia falar de Casé. Igual a ele, tinha a capacidade de ouvir mais do que falar. Em silêncio, emocionava-se ao ouvir <span style="FONT-STYLE: italic">Harlem Nocturne</span>, uma espécie de cartão de visitas do saxofonista. A cada interpretação da balada de Earle Hagen vinham surpresas, improvisos cortantes, um fraseado de amarga e bela melancolia. O público com frequência parava de dançar e se desmanchava em aplausos. Do conjunto de Casé, Bil foi para a orquestra de Carlos Piper, tão boa que, quando o maestro anunciava o sufixo dos bailes, os músicos pediam para tocar mais. Pipper morreu na França, no mesmo acidente aéreo que em 1973 matou o cantor Agostinho dos Santos. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Também os crooners foram mudando no grupo. Além de Nívea, passaram pelo grupo Denise Dumont, Gabriel e Leny Caldeira. Por último, Marli Shirley, que no palco usava vestidos longos, rodados, de tafetá ou gorgurão, com pedrarias bordadas pela mãe. Casou-se com Waltinho, irmão de Casé, e em seguida deixou a profissão iniciada aos 14 anos. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUT6icIpjRPQlEQP1QjQw5DnFlavKxyOfqqMqrBq9VyWaI7_VMwZ3wKPvZisoK2uik0eBMfAse4fY4AyHnPM_Up85br_-2BCyiU3R7o-rOkoTdyNwMA8WtT81rgz0pk5iVyDcz2A2tHj0D/s1600-h/cap17c.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329773828362403522" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 219px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUT6icIpjRPQlEQP1QjQw5DnFlavKxyOfqqMqrBq9VyWaI7_VMwZ3wKPvZisoK2uik0eBMfAse4fY4AyHnPM_Up85br_-2BCyiU3R7o-rOkoTdyNwMA8WtT81rgz0pk5iVyDcz2A2tHj0D/s400/cap17c.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Em 63, uma gaúcha foi com o grupo a Santo André. Desinibida, falante, amiga de Adylson, estava a caminho do quarto LP, cantava bem, era firme na afinação e no balanço. A uma certa altura do baile o pianista se dirigiu ao chefe: a amiga queria dar canja. “Fale com a Marli”, foi a resposta. “Claro”, reagiu a crooner. “Quantas músicas ela quiser.” A moça cantou três e ouviu elogios dos músicos. Dois anos depois ela se tornaria um nome nacionalmente conhecido: Elis Regina. Em casa, quando se referia a cantoras, Casé citava com carinho uma carioca baixinha. “Essa sabe tudo”, ele resumia. Era Claudete Soares, apresentada a Casé por Walter Wanderley. Ex-princesinha do baião, ela se tornava uma das principais intérprete da bossa nova. Ao vê-la na Baiúca, acompanhada pelo pianista Pedrinho Mattar, o jornalista Paulo Cotrin decidiu abrir o João Sebastião Bar, na esquina da Major Sertório com Dona Veridiana, que se tornou um templo da bossa, correspondente ao Beco das Garrafas, do Rio.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O casamento de Walter Wanderley e Isaurinha Garcia estava em frangalhos. Ele e Claudete trabalhando juntos na Baiúca, conversa vai, conversa vem, e brotou uma paixão entre os dois. Walter levou-a à casa de Casé. Os três, mais o baixista Azeitona e o baterista Dirceu Medeiros, fizeram alguns shows juntos, e no disco <span style="FONT-STYLE: italic">Claudete Soares</span>, lançado pela Mocambo em 1965, o saxofonista deixou registrados improvisos curtos e elegantes. Estão nas faixas <span style="FONT-STYLE: italic">Gente</span>, dos irmãos Vale, e <span style="FONT-STYLE: italic">Vivo sonhando</span>, de Jobim, em arranjos de José Antônio Alves, o Zé Bicão.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Por pouco Walter não perdeu a namorada. O Casé misterioso despertou nela um interesse jamais revelado. “Adoro gente conflitada”, derretia-se a cantora, diante de detalhes que a incendiavam. Por exemplo, os óculos dele, aqueles que, Claudete nem imaginava, Casé andou usando exclusivamente para fazer charme.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhvOuoPzHcjz-8eHeDU5oZh-gYfRQhekyORe1ZlyHddt795AUVXHjNryyaGQofDd9n1jOYU5KaFyGaxRswhqxtlI7mEqrdfbMl_BwZSB9vGjWu_d-KWVNSuJZy5eQhfI-1Z9X0IlcGMscFC/s1600-h/cap17b.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329774532619965810" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 276px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhvOuoPzHcjz-8eHeDU5oZh-gYfRQhekyORe1ZlyHddt795AUVXHjNryyaGQofDd9n1jOYU5KaFyGaxRswhqxtlI7mEqrdfbMl_BwZSB9vGjWu_d-KWVNSuJZy5eQhfI-1Z9X0IlcGMscFC/s400/cap17b.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Numa das ocasiões em que Claudete substituiu Elis na apresentação de <span style="FONT-STYLE: italic">O Fino da Bossa</span>, na TV Record, estava a cargo dele o primeiro sax alto da orquestra regida por Chiquinho de Moraes. Em Belo Horizonte, acompanhava o programa um saxofonista iniciante, Nivaldo Ornelas. Ficou quase imobilizado diante do televisor após ouvir um solo de Casé, cultuado também em outra cidade de Minas, Três Pontas, entre músicos como o pianista Wagner Tiso. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Em 67, Nivaldo e Tiso, juntos com o baterista Paulo Braga, tomaram um ônibus da Cometa e viajaram a São Paulo especialmente para ver Casé tocar. Não tiveram sorte. Foram achá-lo com a orquestra de Elly, no Avenida Danças, numa noite pouco inspirada. Mas no mesmo ano Casé esteve em Belo Horizonte, a convite do trompetista Figo, que conhecera na Europa. Ambos rumaram ao Berimbau Clube, onde, sem saber da presença ilustre, Nivaldo se apresentava. A canja do visitante foi fundamental.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– É esse som que eu quero, caramba! - pensou Nivaldo, diante daquele que seria sua primeira grande influência. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Apresentado aos músicos da cidade, Casé ouviu uma enxurrada de elogios. “Gostaram de mim? É porque vocês não conheceram meu irmão”, disse. E pediu para ser levado à zona. Era um território pelo qual ele circulava com desembaraço – inclusive tocando. </span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >***</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Finalzinho de 1962. Vitor Campbell, trombonista e trompetista, era integrante do grupo SP Som, de Campinas, que ensaiava no Jardim Itatinga, onde ficava a afamada zona de Viracopos. Convidado a fazer uma substituição na Teteia, uma boate do Itatinga, o guitarrista João Adão levou Campbell, que, ao se aproximar da casa, detectou um som de sax com uma qualidade jamais ouvida por ali.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Peraí: esse é o Casé – reconheceu-o Vitor.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O palco, iluminado por um canhão de luz, ficava num canto da sala ampla, ocupada por poltronas vermelhas entre as quais os garçons transitavam. Na plateia, músicos da região misturavam-se às mariposas e seus clientes. Ao término da primeira entrada, Adão apresentou-o a Vitor. Foram para o bar, pediram cerveja e conhaque. Antes de voltar ao palco, ele apontou para o estojo de Vitor:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Que que é isso?</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Trompete.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Tira isso daí, vamos tocar.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Tocaram <span style="FONT-STYLE: italic">Minha Saudade</span>, de João Donato e João Gilberto. Vitor voltou a semana inteira para dar canja. Casé falou sobre harmonia, encadeamento, recomendou improvisos modais e indicou métodos para leitura e execução, entre eles o <span style="FONT-STYLE: italic">JB Arban</span>.<br /><br /></span><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:85%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;"><span style="font-size:130%;">*</span> <span style="font-size:78%;">Pelo grupo passaram, para se efetivar ou para simples substituições, os trompetistas Valdir Arouca e João Godoy, os saxofonistas Oreca, Prequeté, Schettini e Waltinho, irmão de Casé; os trombonistas Escovão e Azevedo, os bateristas Dirceu, Toniquinho e Arrudinha, o guitarrista João de Deus e o baixista Shioda, entre outros. </span></span></span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-73069083191378070622009-04-28T12:44:00.009-03:002010-09-14T15:51:24.859-03:00Capítulo 16<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ><span style="font-size:130%;">Para fazer soar a orquestra</span><br /><br /><span style="font-size:100%;">Mazzuca era daqueles chefes camaradas, que depois do baile arrastava parte da turma para comer macarronada nas cantinas do Bexiga. Administrava um grupo competente e festivo, que se transformava longe do palco em debochada bandinha a produzir sopros rascantes e semitonados. Em caricata formação militar comandada pelo toque de caixa do baterista Turquinho, desfilava a qualquer instante, onde quer que estivesse – a pista empoeirada do aeroporto de Governador Valadares, por exemplo. </span><br /><br /><span style="font-family:trebuchet ms;">Já durante o trabalho não havia tempo para brincadeira. O que interessava era fazer a orquestra soar bem, nem se isso tanto fosse preciso alterar a função dos músicos. Diversas vezes Casé fez questão de trocar de lugar com colegas de sax, passando do primeiro – aquele que puxa o naipe – para terceiro alto, ou de segundo para quarto tenor. Insistia sem apresentar a justificativa, evidente para alguns companheiros, de fazer todos se esforçarem para tocar melhor e, sem destacar ninguém, atingir uma sonoridade homogênea. Não se tratava de uma estratégia recém-criada. Na década de 1940, com a orquestra Clóvis e Elly no Cuba Danças, não era rara a noite em que Casé fazia de Pirahy o primeiro alto. O rendimento melhorava, mas para Pedro Contesini, integrante do naipe, a troca era também uma prova da humildade do adolescente que despertava o respeito dos mais velhos. E ele lá, quieto, firmemente decidido a rejeitar exaltações à sua capacidade e a exercitar impiedosa autocrítica.</span><br /><br /><span style="font-family:trebuchet ms;">Apareceu uma vez no Clube Pinheiros com um arranjo para <span style="FONT-STYLE: italic">Quintessence</span>, de Quincy Jones. Tímido até perto dos mais íntimos, disse ao saxofonista Carlos Alberto Alcântara: “Pergunta pro homem se dá pra fazer um solo meu aí”. O homem era Mazzucca. A orquestra entrou segura, como se tivesse ensaiado. Veio o solo, e no salão superlotado o rumor deu lugar ao silêncio, rompido por aplausos. Comentário do saxofonista:</span><br /><br /><span style="font-family:trebuchet ms;">– Não saiu muito legal.</span><br /><br /><span style="font-family:trebuchet ms;">Destaque da orquestra, Casé ganhava cachês maiores do que os recebidos pelos colegas. Nessa fase, dispôs-se a comprar no Tatuapé um sobrado para dona Isabel, que não gostou da localização. Dinheiro farto, dinheiro gasto: acumular não era com ele. E se a situação apertasse, voltava a vender o instrumento. “Foi o maior músico que tive na minha orquestra”, contava Mazzucca, já na década de 70, ao filho Sylvinho. “Um gênio, um monstro, mas é como se não existisse. Não tem nada, nem documento”. </span><br /><br /><span style="font-family:trebuchet ms;">Tratava-se, de fato, de um ser extremamente desapegado, e essa característica, aliada à economia verbal, talvez ajudasse a reforçar um certo folclore. Mas documento ele tinha, sim – a começar pela certidão de nascimento, registrada no livro n° 52-A do Cartório de Paz de Guaxupé, e pelo diploma da Primeira Comunhão, feita em 19 de novembro de 1944, na Usina Junqueira. O número do RG era 1.644.346; o do título do eleitor, 202794; o do primeiro passaporte, 138018; o do segundo, 678315. A carteira da Ordem dos Músicos, n° 3359, de 1961, qualificava-o como diretor de conjunto, saxofonista, clarinetista e flautista, erudito e popular. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHBxFO98q7iUxrSUhCSv9lReVJJy8EwKgO-MvybLHMfYhF-3hTadUHNOIEbFyPKW4gaNP4XyTx-j8nwM3iVIMDwPB_5Hem7eBDP1ArKxgUFLe1GdKP0ae20rbh_rf6A1h5bit4Xs9uFlSg/s1600-h/cap16.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329800797792688002" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 340px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHBxFO98q7iUxrSUhCSv9lReVJJy8EwKgO-MvybLHMfYhF-3hTadUHNOIEbFyPKW4gaNP4XyTx-j8nwM3iVIMDwPB_5Hem7eBDP1ArKxgUFLe1GdKP0ae20rbh_rf6A1h5bit4Xs9uFlSg/s400/cap16.jpg" border="0" /></a><br /><span style="font-family:trebuchet ms;">Até uma agenda telefônica azul ele tinha. Lá estavam anotados, entre outros, os números do acordeonista Carlinhos Mafazoli, para quem, na verdade, jamais fez uma ligação. De qualquer maneira, a relação era extensa: Aristeu, Alemão, Antônio Arruda, Avenida Danças, Bove, Buda, Botina, Bolão, Bauru, Bizoca, Chu, Costita, Capacete, Chiquinho de Moraes, Ciro Pereira, Cartola Clube, Caiubi, Carlos Alberto, Demétrio, Ditinho, Denise Dumont e Dorimar eram alguns dos donos dos números anotados. Outros: Cláudio Slon em Los Angeles, irmãos Godoy, Elcio Alvarez, estúdios Sonima e Sonotec, Felpudo, Jericó, Lambari, Mazzucca, Maguinho, Orlando Ferri, Pirituba, Paulo Moura, Portinho, Prequeté, Pirahy, Peixinho, Roberto Corte Real, Rafael e Shioda.</span><br /><br /><span style="font-family:trebuchet ms;">A agenda também tinha o telefone do INPS e o de duas mulheres que não apresentou em casa, Sandra e Vera Lúcia – ela com direito a endereço: R. Brigadeiro Tobias, 110, apto 1918. Na letra E, o número da Defesa Civil anotado como “Enchentes”, a ser acionada caso se repetisse a chuvarada que uma vez deixou a família ilhada na parte superior do sobrado da rua Siqueira Campos.</span><br /></span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-64131594777602707832009-04-28T12:42:00.006-03:002010-09-14T15:48:54.329-03:00Capítulo 15<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;font-size:130%;" >Café, caneta, formicida</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >Deu-se na orquestra de Mazzucca a fase, digamos assim, mais estável de Casé. Ficou entre 1957 e 61, e nesse meio tempo teve muito trabalho paralelo. Em 60, no Rio, uma vez mais tocou ao lado de Moacir Peixoto, Luiz Chaves e Rubinho. Foi no Teatro Municipal, durante o <span style="FONT-STYLE: italic">2° Concerto de Jazz de Câmera</span>, gravado ao vivo. Participaram também os grupos de Dick Farney, K-Ximbinho e Cipó. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW-1B1nJSUNZwQTQQTiXqLYEXIBDa0tB-MS8G0BDZYKEH5AbDa2xF_YGEJe-xS9k9tr0XX2x-NwuRm3hIQd6jfqWGdmImNNzHbeCw-3cDFio9oge8FgAE2jdJZhaOwyKxEFX6WAmHzlcBQ/s1600-h/cap15.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329768514551017890" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 260px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW-1B1nJSUNZwQTQQTiXqLYEXIBDa0tB-MS8G0BDZYKEH5AbDa2xF_YGEJe-xS9k9tr0XX2x-NwuRm3hIQd6jfqWGdmImNNzHbeCw-3cDFio9oge8FgAE2jdJZhaOwyKxEFX6WAmHzlcBQ/s400/cap15.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Como solista ou anônimo integrante de naipes, Casé poderia ter feito gravações às toneladas, mas não achava nenhuma graça naquela praxe de receber o pagamento trinta dias depois. Suas atuações em estúdio são poucas, às vezes resumidas a fraseados, sempre com o sopro inconfundível que salta aos ouvidos em <span style="FONT-STYLE: italic">Ninguém na Rua</span>, samba-canção de Billy Blanco, do LP <span style="FONT-STYLE: italic">Meia-noite em Copacabana</span>, que Dick Farney fez em 1956. Em 69, nos Estúdios Reunidas, no prédio da Gazeta na avenida Paulista, gravou <span style="FONT-STYLE: italic">jingles</span> e trilhas que ajudaram a vender caneta esferográfica, loja de departamentos e café. Com arranjo de César Mariano, o saxofonista junta-se a Lanny Gordin na viola e Sabá no baixo para descrever, com interpretação de Wilson Simonal, a derrota de saúvas predadoras para o guerreiro valente, atribuída a um formicida da Shell. A partir de 70, fez vários <span style="FONT-STYLE: italic">jingles</span> e trilhas para filmes publicitários na produtora Abertura, que o pagava à vista. Para chegar ao estúdio, na Joaquim Eugênio de Lima, apelava por telefone ao baterista Toniquinho:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Vem me pegar que eu tô sem grana pro táxi.</span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-90431256970986090712009-04-28T12:30:00.015-03:002010-09-14T15:47:11.843-03:00Capítulo 14<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ><span style="font-size:130%;">Leite com martíni</span> </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >Ano fértil, aquele 1958. Brasília em construção, a bossa nova chegando, orquestras a pleno vapor, e Casé numa fase especialmente agitada. Grava com Mazzuca, no Rio, o LP <span style="FONT-STYLE: italic">Baile de Aniversário</span>, que estoura com a faixa <span style="FONT-STYLE: italic">Tequila</span>. Em São Paulo, grava Coffe and Jazz com o Brazilian Jazz Quartet, liderado pelo pianista Moacyr Peixoto. Rubens Barsotti e Luiz Chaves, os outros integranters, fundariam o Zimbo Trio na década seguinte, com Amylton Godoy ao piano. O disco, produzido por Roberto Corte Real, granha destaque na imprensa. Traz uma série de standards - entre eles Don't Get Around Much Anymore e Too Maverlous for Words -, com arranjos feitos "de ouvido", segundo o texto da contracapa, assinado por Eduardo Baptista da Costa.</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >Ainda em São Paulo, por onde andava a banda de Woody Herman, Casé junta-se ao baixista Major Holley e ao baterista Jimmy Campbell para uma canja na boate Michel. Com eles, Moacyr Peixoto, uma alma alma enorme, ouvido afiadíssimo, sobrinho de Nonô – o sempre lembrado pianista da geração de Noel e Chico Alves. No dia seguinte, Corte Real põe os quatro num avião até o Rio. Entram no estúdio da Columbia sem arranjos escritos para as sete faixas – entre as quais <span style="FONT-STYLE: italic">Rough Ridin</span>, <span style="FONT-STYLE: italic">Easy to Love</span>, um <span style="FONT-STYLE: italic">blues</span> de Holley, outro de Peixoto e <span style="FONT-STYLE: italic">Copacabana</span>, de Alberto Ribeiro e Braguinha. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijNJGCt2Y5b7cqZz5N0UIDx7aFir2ZbbZKW1AJpcCta_QgbBqzL5kybDdHukgQwfI7TIdzH7hphCRgl8gu197n39ha6Xch1HVsAEW9zz0Yzf_1FCLjFoeM68oGFZLwX6wbq-kEujIKR0Y8/s1600-h/cap14a.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329765415914652146" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 339px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijNJGCt2Y5b7cqZz5N0UIDx7aFir2ZbbZKW1AJpcCta_QgbBqzL5kybDdHukgQwfI7TIdzH7hphCRgl8gu197n39ha6Xch1HVsAEW9zz0Yzf_1FCLjFoeM68oGFZLwX6wbq-kEujIKR0Y8/s400/cap14a.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Sete horas depois estava concluído The Good Neighbors Jazz, trabalho só interrompido pelas idas de Campbell ao banheiro, de onde saía chapado de heroína. Choveram elogios, os primeiros saídos não da boca, mas da mão direita de Holley. Naquela rápida passagem pelo Brasil, ele não teve tempo de aprender sequer rudimentos da Flor do Lácio. Para responder aos técnicos do estúdio se havia gostado da experiência, Holley dizia “OK”, levantava o polegar e apontava para Casé – que, por sua vez, confessaria a alguns poucos sua opinião sobre o resultado do trabalho:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Uma merda.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Ninguém concordou. Excessivamente severo consigo mesmo, ele era respeitoso com os colegas, por mais modestos que fossem. “São todos músicos”, reagia, diante das críticas feitas a orquestras que atravessavam má fase. </span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" ></span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >***</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Mais músicos chegam à cidade*. Para inaugurar o La Vie en Rose, na Major Sertório, desembarca o conjunto de Breno Sauer, de Porto Alegre.<span style="font-size:130%;">*</span> </span><br /><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >De Buenos Aires vem em turnê a orquestra de Roberto Inglez, com um tenorista que chamaria a atenção de Casé. Seu nome: Hector Costita, levado por Chu Viana para a Baiúca, onde se revezavam os pianistas Moacyr Peixoto, Walter Wanderley e Pedrinho Mattar. Casé apareceu por lá, deu canja, tornou-se amigo do argentino. Meses depois, levou-o para tocar na orquestra de Elcio Alvarez. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Com leite e biscoitos, que carregava até para o palco, Casé tentava acalmar as crises de gastrite. Ao primeiro sinal de melhora, retornava às atividades etílicas. A doença evoluiu para uma úlcera. Ambos – a úlcera e ele – conviveram às turras, até o almoço do Natal de 1970. Casé fazia questão de preservar o ritual em família. Como acontecia em todos os dias 25 de dezembro, ele se sentou à mesa com os pais, os irmãos e um convidado – o percussionista Santos - diante de travessas de cabrito, leitão à pururuca, pernil, frango recheado, farofa, maionese e salada. Antes de começar a comer, levantou-se, apoiou-se no espaldar da cadeira, respirou fundo, levou a mão à barriga e começou a suar frio. Dalva, a irmã mais velha, levantou-se e correu para o Hospital Cruz Azul. Voltou com uma ambulância, que levou Casé para a Santa Casa, na Rua Cesário Mota. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >No Pronto Socorro, o médico avalia o caso e comunica: “Vamos ter que abrir”. O paciente diz que não pode ficar no hospital, tem muito trabalho para fazer lá fora. Dalva, conhecedora da rabugice do irmão, fecha os olhos e recorre a São Judas. Feita a cirurgia, Casé ficou 11 dias internado e em seguida, por recomendação médica, restringiu o cardápio a macarrão com molho de tomate sem casca, carne grelhada, pudim de pão e outros clássicos da frugalidade. Da internacão à convalescença não saiu do seu lado a namorada, Eliana, loira, bonita, aeromoça de rotas internacionais. Dialogavam com entusiasmo, estavam mutuamente encantados. Em casa, ele às vezes deixava escapar:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Com essa eu casaria.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUpLFGXqkmMUvJMOcYC_WUceDDuSro7Bl3vjmf4e6XRj4Q87fH6rSX9vsTxeQ_XdWofg9WEy8QkC78oh35jGgX9O9y9Zr7P8Y_HPxhNvJ0uKMUAFouy2csLNBMlrTQ1fHRA39odfiiEel7/s1600-h/cap14c.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329765957138546690" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 248px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUpLFGXqkmMUvJMOcYC_WUceDDuSro7Bl3vjmf4e6XRj4Q87fH6rSX9vsTxeQ_XdWofg9WEy8QkC78oh35jGgX9O9y9Zr7P8Y_HPxhNvJ0uKMUAFouy2csLNBMlrTQ1fHRA39odfiiEel7/s400/cap14c.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Para o gosto dela, demorou demais a se decidir. A comissária voou para os bracos de um diplomata e ainda mandou o convite para a festa. Foi doloroso para o ex. Mas, mesmo antes do episódio, apesar das paixões que despertou, parecia carregar disposição para a solteirice. Em 52, o bigodinho à Rodolfo Valentino e a pinta acima do canto esquerdo da boca atraía olhares e arrancava suspiros das moças. Ainda antes, na orquestra da Tupi, os músicos percebiam que a filha do violinista Fego Camargo – a cantora Hebe, uma iniciante – arrastava uma asa considerável em direção à estante do primeiro sax alto.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >De Bagdá a São Paulo, outras cantoras tentariam flechar aquele coração arredio. Sossegar com uma namorada? Improvável. Mais ainda casar, ter filhos e tudo mais que remetesse ao padrão morno de classe média, de uma suposta estabilidade burguesa. Casé cresceu e viveu num tempo de boemia em ebulição, das <span style="FONT-STYLE: italic">girls</span> dos <span style="FONT-STYLE: italic">dancings</span>, as zonas do interior, a urbanização que explodia, novidades de Hollywood, tudo solto, jazz, improviso. As namoradas em Assis e Araxá, a camareira de Buenos Aires, as noites na Vila Maria, amores breves. O <span style="FONT-STYLE: italic">voyeur</span> equipado com luneta em Poços de Caldas, as calcinhas envolvendo o sax no estojo de couro forrado com veludo e costurado com capricho pelo velho Godinho, o andar ritmado da normalista de saia plissada e esvoaçante que passa pela Rua da Glória. Imagens, prazeres, a vida em transformação, grana para comprar e dirigir um Fusca em alta velocidade pela Serra da Mantiqueira, para comprar carro importado – um Buick verde, um Oldsmobile conversível e azul deslizando no comecinho da noite pela pista larga da Rebouças, com Ratinho, Eugênio Leme e Sergio Alvarez, que, entre tragadas profundas num cigarro artesanal, solta o bordão que vive a repetir com o erre gutural: “Lógico, meu amorrrr”. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Um tempo de muito trabalho, música para ouvir nos inferninhos e boates, que de uma década para outra se reproduzem na Praça Roosevelt e na Major Sertório. Música para dançar nos salões, noites atravessadas em claro com a ajuda das bolas – Pervitin, Dexamil, as mais consumidas. Maconha? Também tinha. “Pra tocar não funciona. Deixa a boca dormente”, foi o comentário de Casé a Maguinho. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >No Cambuci está mantido o porto seguro dos Godinhos. A comida e a roupa limpa e passada de que se encarregam dona Isabel e Dalva, capazes de detectar o estado de espírito e traduzir o silêncio de Casé. Um resmungo matinal, e Dalva já sabe: ele quer ovos quentes. Em casa não é preciso falar o tempo todo de música e músicos, assim como é possível ouvir o que quiser. Brahms, por exemplo. Em casa dá para estudar, dá para escrever arranjos de madrugada, quieto. De casa se pode sair a qualquer hora para qualquer lugar. Itapetininga, digamos - para alegria do pessoal da orquestra Nelson de Tupã, contratada para animar o baile. É só pedir emprestado o alto do maestro e tocar até o fim da noite. E por que não descer a Anchieta de táxi até as boates da General Câmara, na beira do cais de Santos? Dar canja, comer, beber, farrear, de surpresa cutucar com dois dedos um vão da costela do interlocutor e sorrir: </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Mas, porra, madame...</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Trabalho não falta. Se faltar, é só correr de volta para a orquestra do Padrinho – é assim que ele chama Elly, o amigo da família com quem pode contar nas horas de aperto, embora, para desespero do maestro, a qualquer momento Casé possa ausentar-se de um compromisso. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Dona Isabel, que é que eu faço? Quando acho que ele está firme, ele sai da orquestra.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhhobBudhwN4GhNZa0wrof8iGe1lumjJ3M14byZB6t3R2tFibjStlADPDp43rrM0Z6GCS_CpsipsB7N0k1QEJ8ysvtaiDwCF4lJfU_ucKOdVFGVY08WFqFNY4ch7hrv14lQkFxXST2naexN/s1600-h/cap14d.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329766279864306642" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 257px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhhobBudhwN4GhNZa0wrof8iGe1lumjJ3M14byZB6t3R2tFibjStlADPDp43rrM0Z6GCS_CpsipsB7N0k1QEJ8ysvtaiDwCF4lJfU_ucKOdVFGVY08WFqFNY4ch7hrv14lQkFxXST2naexN/s400/cap14d.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >E onde está Casé enquanto a orquestra vai em frente, desfalcada do seu principal solista? Pode estar em casa, fugindo da madrugada fria. Talvez no Club de Paris, lá no Centro, ou, na zona sul, ao lado de Carlos Conde, grande jazzófilo, na casa do publicitário e guitarrista Ismael Campliglia, com Dick ao piano. Pode estar, ainda, com os trombonistas Renato Cauchioli e Gilberto Gagliardi, gravando ao clarinete trilhas escritas por Radamés Gnattali e Guerra-Peixe para filmes da Vera Cruz. A não ser que esteja apresentando a noite paulistana a músicos franceses que serão levados ao sobrado do Cambuci para jantar polenta e rabada com salada de agrião. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgltJpX9VQt6beVhV8G8Uye4ddKl8bw_tYEJgc8_KOIRngEXdAOC5xClOYcTD-9FXT85EDJY-t-nNZN3B1qwT4303s1kvZmv4muEBGulYyP5CO8nAa95hv1waBhAFpsyDSyY0YYzb9-o9cL/s1600-h/cap14b.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329766614215710978" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 261px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgltJpX9VQt6beVhV8G8Uye4ddKl8bw_tYEJgc8_KOIRngEXdAOC5xClOYcTD-9FXT85EDJY-t-nNZN3B1qwT4303s1kvZmv4muEBGulYyP5CO8nAa95hv1waBhAFpsyDSyY0YYzb9-o9cL/s400/cap14b.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Por décadas Casé vai e volta para a orquestra de Elly. Se desaparece, pode estar no auditório da <span style="FONT-STYLE: italic">Folha</span>, improvisando freneticamente nas <span style="FONT-STYLE: italic">Noites de Jazz</span> produzidas por Lenita Miranda de Figueiredo. Ou, ao clarinete, transformando-se em chorão de pura cepa num baile do grêmio do Colégio Rio Branco. Olhe lá se não estiver no Clube dos Amigos do Jazz, o Camja, dividindo a cena com Sadao Watanabe, ou no Clubinho dos Artistas, ali na Bento Freitas, deixando paralisados os boêmios de plantão com sua interpretação de <span style="FONT-STYLE: italic">Night in Tunisia</span>. Isso tudo se não estiver tocando com Johnny Mathis no Copacabana Palace – o que não o impede de aproveitar uma noite de folga para entrar num inferninho paulistano. Por exemplo, o Teteia, inaugurado em 1959, na esquina da Major Sertório com Araújo. Ali se tocava jazz. No sax e clarineta, Kuntz Neegle, ex-líder do conjunto Os Copacabana; Luiz Melo, piano; Nilton de Siqueira Campos, baixo, e Edilson, bateria. Lugar de canjas antológicas – de Casé, de Gato Barbieri, de Costita, Maciel, Cipó, Johnny Alf – e de brigas controladas pelo proprietário. Neco, ex-estivador, ex-porteiro de boate, massudo, de fala mansa, apertava até quase esmagar o braço dos mais exaltados enquanto advertia com a voz melodiosa: “Cavalheiro, o sr. está perturbando o ambiente”.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:78%;" ><span style="font-size:130%;">*</span> </span><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;font-size:78%;" >Breno Suaer (acordeon), Gabriel Bahlis (baixo), Alemão (guitarra), Garoto (vibrafone) e Afonso Cid (bateria). </span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-74008232860160925232009-04-28T12:27:00.006-03:002010-09-14T15:34:56.396-03:00Capítulo 13<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">Charme em Congonhas</span></span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >Na orquestra de Silvio Mazzuca, Casé se tornou grande amigo do também saxofonista Lambari, a quem deu uma daquelas aulas tão sintéticas quanto eficazes. Primeiro, convenceu o parceiro de naipe a trocar o tenor pelo alto. Três bailes depois, chamou-lhe a atenção: “Ô, Lambari, agora você toca alto!”. Mensagem entendida. Lambari estava tocando o instrumento com timbre e personalidade de tenor. Foi para casa, estudou durante horas e, no dia seguinte, no camarim da Rádio Bandeirantes, fechou a porta e tocou. Escalas, arpejos entre o forte e o pianíssimo. “Toca mais”, dizia Casé. “Continua!”. Num dado momento veio o veredicto: “Agora você encontrou o caminho. É só continuar estudando”. Dois meses depois, durante um baile, uma surpresa: Casé trocou as suas partituras, de primeiro alto, com as de terceiro, da estante de Lambari, que em vão relutou. “Toca, toca!”, disse-lhe o vizinho, apontando para os arranjos de <span style="FONT-STYLE: italic">swing</span>, bolero e samba-canção. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Lambari não havia conhecido um músico tão admirável como solista, improvisador, leitor e intérprete. Após um baile, ainda fascinado pela atuação formidável do amigo, arriscou-se a perguntar, entre uma pizza e uma cerveja.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Zé, vi o Clóvis quando eu tinha 4 anos, e sei que ele tocava muito. Mas era como você tocou esta noite?</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Pausa. E vem a resposta:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Lambari, eu sei que tenho o dom. Mas não vou conseguir me igualar a ele.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Só uma vez Lambari viu Casé errar uma nota. Foi durante um baile no salão de Congonhas, em 1958. O aeroporto simbolizava a modernidade, o rompimento com o provincianismo ainda reinante na cidade. Ali se ofereciam serviços bancários, rádio-telegrafia internacional, florista, um café aberto a noite inteira; ali estavam as escadarias arredondadas, o piso com motivos geométricos, o painel ¨Homenagem aos Trabalhadores”, de Di Cavalcanti e Clóvis Graciano, ali estava a cortejada orquestra de Silvio Mazzucca. De repente, uma nota fora do lugar. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Essa merda tá me atrapalhando - irrita-se Casé. E tira do rosto os óculos de aro preto que havia adotado dias antes, desnecessários para quem enxergava perfeitamente. Puro charme <span style="FONT-STYLE: italic">bebop</span>. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >A orquestra cumpria uma longa sequência de bailes, programa de rádio, gravação de LPs e de um programa semanal na TV Tupi do Rio, no antigo Cassino da Urca. Os músicos viviam na estrada. No ônibus, a jogatina corria solta. De repente, para viajar, Casé, que não revela na cacheta o mesmo brilho exibido ao sax, passa a trocar a Via Dutra pela ponte aérea. Ficava mais barato do que bancar as apostas perdidas no baralho. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Atitudes como essa causavam estranheza apenas inicialmente. Eram coisas de Casé, capaz de convidar um amigo para um drinque e permanecer de olhos grudados no copo sem proferir uma única palavra. Em compensação, aos poucos que se tornavam próximos, a qualquer momento revelava traços bem escondidos. O sujeito misterioso e reservado podia surpreender. Numa viagem a trabalho, sorteado para dividir o quarto de hotel com o tenorista Armandinho Bate-Papo, cujo apelido dispensava maiores explicações, usou o ataque como prevenção: nocauteou o colega com impiedosa verborragia. Bate-Papo pediu para trocar de quarto. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >“Sabe o que tenho vontade de fazer”, perguntou uma vez a Lambari. “Comprar um planador e ficar estudando lá em cima.” Manifestavam-se nele repentes de tristeza, apesar dos acenos da glória e do dinheiro para ser feliz, questionados nos versos de Dorival Caymmi em <span style="FONT-STYLE: italic">Saudades da Bahia</span>, que o saxofonista gravou no LP <span style="FONT-STYLE: italic">Samba Irresistível</span>. Lançado pelo selo <span style="FONT-STYLE: italic">Hi-Fi Variety</span>, da Columbia, em 1960, traz uma raridade: Casé no tenor em três faixas. Além de Casé no sax e clarinete, tocam Paulo Lima de Jesus, o Paulinho Preto, piano; Garoto, vibrafone; Heraldo do Monte, guitarra; Chu Vianna, contrabaixo; Dirceu Medeiros, bateria; Rogério Tizi, ganzá e afochê, e Corisco, pandeiro. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsXJDg10-yxk9L_OGfha3XFyooZMaVY1ycUqqNSNLQ9y4Na-SO-y_km-uO_xd2YIIrIVJt1LuaVHhYfjutA-Y1bjLs3sabZ_I6bTSrPB4c8TCNEg-TeTbI6v5D3U3SD0kqC5y9KchOStiR/s1600-h/cap13.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329764710962450898" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 267px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsXJDg10-yxk9L_OGfha3XFyooZMaVY1ycUqqNSNLQ9y4Na-SO-y_km-uO_xd2YIIrIVJt1LuaVHhYfjutA-Y1bjLs3sabZ_I6bTSrPB4c8TCNEg-TeTbI6v5D3U3SD0kqC5y9KchOStiR/s400/cap13.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O repertório do disco de Casé e Seu Conjunto promove um encontro de sambas da geração de Lupicínio e Noel, como <span style="FONT-STYLE: italic">Se Acaso Você Chegasse</span> e <span style="FONT-STYLE: italic">Palpite infeliz</span>, com a bossa nova, novidade do momento – <span style="FONT-STYLE: italic">Esse teu Olhar</span>, de Jobim -, além de <span style="FONT-STYLE: italic">Ensaio de Bossa</span>, samba de Casé com acento de blues. Na contracapa, o radialista Henrique Lobo conta que lhe perguntam repetidas vezes se Casé é o terceiro maior sax do mundo. “Não é possível alguém discutir, explicar, comentar em tais termos”, reage Lobo. “Casé é um dos melhores saxofonistas do mundo. É mesmo. Se quisesse, poderia tocar em qualquer das orquestras do Estados Unidos ou da Alemanha. Seu sucesso será o mesmo no Brasil ou na China”.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >China? Alemanha? Seria preciso ir para tão longe de casa? Em busca de quê? O que para ele era importante estava ao seu alcance. A família, o martíni seco, as fugas para o Interior, o carteado no Clube Sereno, o Ponto para conversar e beber - com direito a um bem temperado sanduíche de pernil –, o <span style="FONT-STYLE: italic">snooker</span> situado ali perto, onde às vezes aparecia Carne Frita, o taco invencível, para exibições que eram pura harmonia. E havia os amigos, como os irmãos Alcântara, mineiros de Uberlândia – Carlos Alberto, saxofonista, Maguinho, trompetista, e Ratinho, baterista. Eles viram Casé pela primeira vez em 53. Moravam em Apucarana, Paraná. Um dia, Maguinho e Ratinho saíram com o pai, Carlos, líder da Orquestra Tropical, para comprar arranjos e instrumento em São Paulo. Foram à casa de seu Godinho. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Um rapaz retraído, pálido, de pijama listrado, deixa o quarto, onde momentos antes estudava, aparece na sala e cumprimenta rapidamente os visitantes. Tem nas mãos uma clarineta, que começa a limpar. Aí está, diante dos visitantes, o mito de toda uma geração de músicos. Carlos cochicha aos filhos: </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Esse é o Casé. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >De Apucarana, Carlos transferiu-se com a família para Uberlândia, Ribeirão Preto e, finalmente, Catanduva, no oeste paulista. Sua orquestra agora se chama Marajoara, uma das várias sediadas no Interior do Estado. Mas em 1958 a cidade começa a ficar pequena para os Alcântara. É hora de levantar voo para a Capital. O primeiro a chegar é Maguinho. Vai morar na pensão de dona Zoara, na Rua São Vicente de Paula, Santa Cecília, e começa a tocar no Rififi, na Avenida Rio Branco. O restante da família viria em seguida. Todos se tornariam grandes amigos de Casé, que na casa dos Alcântara devorava os pasteizinhos e a sopa de fubá com ovo e cheiro-verde de dona Inhá, mãe de Ratinho, Maguinho e Carlos Alberto.</span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-85236598300010014432009-04-28T12:22:00.004-03:002010-09-14T15:30:29.492-03:00Capítulo 12<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">Um táxi para madame</span></span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >A boate Oásis funcionava no porão do Edifício Esther, na Praça da República, com acesso pela 7 de Abril e pela Basílio da Gama. Dois itens famosos no cardápio - picadinho e <span style="FONT-STYLE: italic">crêpe suzette</span>. Para beber, champanhe e uísque importados. A fama da casa ultrapassava as fronteiras do Estado. “Neste deserto de homens e idéias felizmente ainda se encontra um Oásis – a <span style="FONT-STYLE: italic">boite</span> mais elegante de São Paulo”, afirmava o anúncio criado em 1949 pelo Barão de Itararé, que o publicou no seu irreverente jornal carioca <span style="FONT-STYLE: italic">A Manha</span>. Na boate se encontravam os donos de gordas contas bancárias e, atraídos por uma influente relações-públicas - a jornalista Helena Silveira -, representantes da intelectualidade como Gofredo Silva Telles, Lygia Fagundes Telles, Flávio de Carvalho, Mário Donato, Sergio Milliet, Tarsila do Amaral e Luiz Martins. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9akP__N9KrxOyhmnwmjju7CrNiGshvaDhJcERzwP2EESV1q03freQ6jaMvCjT6oojK7i17OPMuo_cu_YW3S5txC_5yWwmvKXoJj7bZ9Xp5oeDicjZJtwdrMnvcEDYsPIlsjHvjUn0lOS8/s1600-h/cap12a.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329763557303003666" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 311px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9akP__N9KrxOyhmnwmjju7CrNiGshvaDhJcERzwP2EESV1q03freQ6jaMvCjT6oojK7i17OPMuo_cu_YW3S5txC_5yWwmvKXoJj7bZ9Xp5oeDicjZJtwdrMnvcEDYsPIlsjHvjUn0lOS8/s400/cap12a.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Às quatro e meia da manhã de um sábado, os clientes começam a deixar a Oásis e pedem táxis ao porteiro Divino. Ele dá o melhor de si para cumprir a missão, mas uma senhora mostra-se especialmente impaciente. “Divino, cadê meu táxi?”, ela pressiona uma, duas vezes. Na terceira ele explode:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Mas, porra, madame!</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >A história circula. Era sinal de que havia ultrapassado os limites do Ponto dos Músicos a expressão criada pelo clarinetista Sérgio, irmão do maestro Elcio Alvarez. No intervalo entre uma e outra seleção de um baile em Machado, sul de Minas, aproxima-se do palco um casal da elite local para falar com o clarinetista. Ela pede um tango. Sérgio estranha: </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Mas, porra, madame! Tango sem <span style="FONT-STYLE: italic">bandoneón</span>? </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >A frase dita por Divino à dondoca torna-se um bordão imediatamente adotado pelos músicos, a começar por Casé, que aliás mais de uma vez substituiu Sérgio na orquestra de Elcio. Numa delas, em 57, quando Alvarez comandava um curto programa diário de música instrumental, ao meio-dia, na TV Tupi, Casé chegou carregando o sax. Havia à sua espera um arranjo difícil para clarineta. Calmamente, ele leu tocando no alto. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Como conseguia? “Não tem milagre: estudando”, era uma das respostas de quem fora aluno de do clarinetista Antenor Gargante e do musicóloco alemão Hans-Joachim Koellreuter. “Leio uns quatro ou cinco compassos na frente”, era outra explicação. Mais uma: “Exercitei bastante a mão esquerda.” Durante um encontro no Ponto, o trompetista Buda contou-lhe que vinha mergulhando nos solfejos do método <span style="FONT-STYLE: italic">Bona</span>. “Então agora faça um tom acima”, disse-lhe Casé. Buda trabalhou de 1957 a 2003 com a orquestra de Sylvio Mazzucca, pela qual passaram grandes músicos.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8lPfsbsgUJEIZRAjGmc__pF0Ku0W4ZhHvtUM60HJlJwMw0W7oIN85YYZaxwOwqENIdojSlZJqTGS2mPrLLzzg4feny-DGylkgsRMeICDRcdDQsW_7IKacH0SnHHf54wqt5xE8vxWjW1vg/s1600-h/cap12b.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329763892663814130" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 273px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8lPfsbsgUJEIZRAjGmc__pF0Ku0W4ZhHvtUM60HJlJwMw0W7oIN85YYZaxwOwqENIdojSlZJqTGS2mPrLLzzg4feny-DGylkgsRMeICDRcdDQsW_7IKacH0SnHHf54wqt5xE8vxWjW1vg/s400/cap12b.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Em 59, estavam todos postados num estúdio diante de uma lenda: o maestro Lirio Panicalli, que escreveu e regeu arranjo para um samba. “Gravando!”, avisou o técnico, e Casé, por sua conta e risco, tocou uma nota diferente da que estava na grade. Depois, timidamente, aproximou-se com a partitura na mão e justificou-se: “Maestro, aqui eu pus essa nota.” Panicalli, também humilde: “E você está certo.” Para os maestros, ter Casé na execução dos seus arranjos era um privilégio, conforme ficou claro durante uma gravação feita pela orquestra de Enrico Simonetti no estudio da Polydor, na Rua Senador Queiroz. O saxofonista arrasou logo ao passar o arranjo pela primeira vez. Ao maestro italiano, a peça se tornou irreconhecível. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Meu Deus do céu! Eu não sabia que tinha escrito isso aí!</span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-87563101434226560082009-04-28T12:17:00.008-03:002010-09-14T15:27:28.907-03:00Capítulo 11<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">Entre Ari e Gershwin </span></span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >A vida em Assis foi divertida, até o dia em que a febre amarela se manifestou. Trêmulo, Casé aproveitou a oportunidade de deixar a cidade e novamente experimentar o prazer de não se fixar a nada em lugar nenhum – exceto ao pais e irmãos, nos diferentes endereços em que viveram no Cambuci, numa casa sempre movimentada e que funcionava também como pensão. Lá, além de Marcos, um menino negro adotado por Isabel, moraram, entre outros, os trompetistas Dorimar e Edgar Capitão, o trombonista Norato e o pianista Paulinho Preto. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >De novo na Capital, com a doença controlada, em pouco tempo Casé está na ativa. Em 11 de julho toca no Teatro Cultura Artística num show que resulta no primeiro LP de 12 polegadas feito no Brasil. Lançado pela Columbia, <span style="FONT-STYLE: italic">Dick Farney Plays Gershwin</span>, tem sete faixas, de que participam também Chu Viana e Rubinho Barsotti. Em 5 de agosto o quarteto retorna ao Cultura, desta vez para participar de um festival de jazz. Entre os organizadores está o radialista e produtor Roberto Corte Real, um dos mais entusiasmados seguidores da carreira do saxofonista. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Dois discos resultam da gravação ao vivo dos shows, feita por Carlos Moura. O primeiro é <span style="FONT-STYLE: italic">Jazz Festival n°1</span>, com apenas três faixas (<span style="FONT-STYLE: italic">Pennies from Heaven</span>, <span style="FONT-STYLE: italic">Blues</span> e <span style="FONT-STYLE: italic">Out of Nowhere</span>), que a RGE logo pôs à venda. O outro, lançado 22 anos mais tarde pela Bandeirante Discos, é <span style="FONT-STYLE: italic">História do Jazz em São Paulo</span>. Duas faixas têm Casé. O festival reuniu músicos de prestígio - Simonetti, Maciel, Dorimar, Demétrio, Strawinsky, Pirituba, Rud Wharton, Aimé Vereck, Juvenal, os irmãos Araken e Moacir Peixoto, Gafieira, Caco Velho, Bolão, Robledo, João Donato, Carlinhos, Ed Lincoln, Bebeto, Jô Soares, os irmãos Castro Neves, Paulo Moura. Entre todos, Corte Real destaca só um no texto da contracapa: “o extraordinário sax alto Casé”. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiccrFb1CsO9WK3Ayh97zQSo7uSDPUGmTaUhHprp0SgLPowOtB3sbc0f5TLPmq2PkTSWVX-n2Xitv7FJ5Hyxh5mEp4QYwg-sm-Hq3Cs6jeMPwHUBz7nXg6MYi0_izYzVEomjTdQ9LtetxJQ/s1600-h/cap11a.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329762199831691378" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 339px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiccrFb1CsO9WK3Ayh97zQSo7uSDPUGmTaUhHprp0SgLPowOtB3sbc0f5TLPmq2PkTSWVX-n2Xitv7FJ5Hyxh5mEp4QYwg-sm-Hq3Cs6jeMPwHUBz7nXg6MYi0_izYzVEomjTdQ9LtetxJQ/s400/cap11a.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >“Fiquei maluco”, dizia Paulo Moura aos amigos, de volta ao Rio, relatando o que ouviu no Cultura Artística. Entre pérolas do jazz, Casé sacou <span style="FONT-STYLE: italic">Risque</span>, de Ari Barroso. Poderia tocar de mil maneiras diferentes, mas naquela fase vinha tirando uma sonoridade <span style="FONT-STYLE: italic">cool</span>, à Lee Konitz e Paul Desmond. “Cê tá legal nessa onda, mas devia ouvir mais o Charlie Parker”, provocou Barsotti uma vez, caminhando pela calçada da Avenida Ipiranga. Casé manteve a mudez habitual. Acontece que Dick Farney, então ligado à escola de Dave Brubeck, parecia sutilmente sugerir ao saxofonista que tocasse à Desmond. Casé satisfazia a vontade do chefe sem nenhum esforço. Com o domínio que tinha do instrumento, era-lhe fácil captar gêneros e a personalidade de intérpretes. Foi por isso que anos depois, no começo da década de 1970, surpreendeu até um velho amigo ao tocar um choro no clarinete, no camarim do restaurante Narita, na Liberdade. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Ué, pensei que você fosse jazzista, mas você é um chorão - estranhou o saxofonista Pirahy. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Ele era, na verdade, tudo o que a música pedisse. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >***</span><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >A soma de elogios poderia empurrar Casé em direção ao poço das vaidades. Mas fazer carreira solo, exibir-se mundo afora e capitalizar prestígio e reconhecimento não estavam entre as suas preocupações. Para ele, havia coisas mais importantes: fugir para cidades pequenas, a pesca, o silêncio, poucos amigos, o direito de não se fixar, de romper com a rotina onde quer que estivesse, cada vez que lhe desse na telha. Voltar a São Paulo, ao Ponto, de novo sair de São Paulo. Por que recusar convite para uma temporada em, digamos, Poços de Caldas? Pois lá vai ele, em 57, ao lado do pai ao trompete e de Luiz Melo ao acordeom. Apresentam-se na boate Bauxita, onde Melo teve, pela primeira vez, um piano à sua disposição. Tudo caminha bem, até o dia em que o saxofonista recebe, e aceita, um convite para transferir-se, em Poços mesmo, para o Palace Casino. Vai, ganhando três vezes mais, tocar com o pianista Walter Wanderley.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >No ano seguinte Casé retornaria a Poços para se integrar no Casino ao conjunto do acordeonista italiano Frontera. Banda boa: Papinha no trompete, De Túlio na guitarra, Luiz César no baixo, Burrinho na bateria. Foi uma temporada divertida. Em companhia de Papinha, Casé fez longas pescarias na represa Bortolan. Quando faltava energia na cidade, Papinha passava roupa com ferro a brasa no quarto do hotel. Enquanto isso, os dois conversavam. Entre tantos mistérios, havia um que intrigava o trompetista: Casé tem memória e ouvido ótimos, decora as pastas de partitura e, mesmo quando a orquestra toca um arranjo dele, lê nota por nota. Por quê? Resposta curta: “É pra não faltar com o respeito aos colegas”.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiSwSdl6WOEiaxsXX6QHEhaIzfqKkBdierT8or52wMNDuanxNCt5o-TflQy4PTSPHH-Zk0H2Dhyphenhyphend_BNIwGOO_ML1B2EpFX-gdstrWZH8zAi1wpL4pGL9_3pUJ8TUnFQfp6kQdl85zVkrulA/s1600-h/cap11b.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329762639341485778" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 256px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiSwSdl6WOEiaxsXX6QHEhaIzfqKkBdierT8or52wMNDuanxNCt5o-TflQy4PTSPHH-Zk0H2Dhyphenhyphend_BNIwGOO_ML1B2EpFX-gdstrWZH8zAi1wpL4pGL9_3pUJ8TUnFQfp6kQdl85zVkrulA/s400/cap11b.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Respeito era bom, e ele gostava, estivesse ao lado de um músico principiante no interior ou sendo apresentado no Rio a um nome como Raul de Souza, por exemplo. Eles se conheceram em 57. Juntos, apresentaram-se no programa de Paulo Santos, na Rádio Jornal do Brasil. Era um concurso de jazz. No primeiro encontro, sem mais delongas, foram direto ao assunto: dividiram o primeiro lugar e uma garrafa de cachaça.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Mesmo reconhecido como trombonista muito acima da média, Raul passava por uma daquelas fases difíceis, de colar o instrumento com esparadrapo. Casé, não. Carregava, para admiração do colega do Rio, um saxofone Selmer. Mera coincidência. Mais de uma vez foi Casé quem circulou com instrumento capenga, e muitas outras vendeu o sax para atravessar períodos de escassez de dinheiro.</span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7075286900046859812.post-61083869339330717502009-04-28T12:10:00.012-03:002010-09-14T15:23:00.291-03:00Capítulo 10<span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:130%;" ><span style="font-family:trebuchet ms;">Vida mansa no Interior</span></span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-size:100%;" >Problemas, desencontros e reencontros, piadas e maledicências, apologias e, sobretudo, troca de informações sobre possibilidades de trabalho movimentavam a esquina da São João com Ipiranga. Foi lá, em 1953, que o saxofonista Marinho Gomes se encontrou por acaso com Chocolate, dono de uma orquestra no interior de São Paulo. Feliz coincidência. O excesso de viagens, programas de rádio e gravações, mais o movimento da cidade em expansão, estavam tirando a calma do saxofonista. Nem foi preciso alongar a conversa para Chocolate fazer-lhe a proposta:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Quer trabalhar comigo?</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Marinho não pestanejou: </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Quero. Não estou mais aguentando isso aqui.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Dias depois ele chegava a Santo Anastácio, na região de Presidente Prudente, para viver com pouco menos de um terço do que ganhava em São Paulo. Vida nova na cidade pequena, que o músico de 36 anos logo passou a mapear. Não foi difícil. Numa das primeiras andanças, encostou no balcão do bar Monte Castelo. Tornou-se cliente assíduo, atraído não apenas por quitutes e bebidas. Melhor que o cardápio era o sorriso de Adibi, a balconista, filha do dono do boteco. Ao retornar das viagens, Marinho corria para lá. Nos intervalos dos ensaios da orquestra, idem. Só faltava declarar-se apaixonado pela moça, que, recatada, ainda hesitava em demonstrar reciprocidade. Faltava um sinal, uma espécie de senha. Foi então que numa das suas visitas ao bar ele arriscou:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Estou precisando comprar umas camisas de manga comprida.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Adibi agarrou a deixa.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Eu faço isso pra você.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Foi às Lojas Karasawa e escolheu três. Noventa dias depois estavam casados.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >A orquestra de Chocolate era composta por músicos talentosos como o violonista Santinho e o baterista Ailton. Mesmo assim, Marinho ficou menos de um ano. Com Adibi, o sax alto e a clarineta, mudou-se para Assis, onde passou a fazer parte da orquestra de Mantovani, que vinha aos poucos sendo composta por profissionais de alto calibre. Foram chegando o trompetista Laércio de Franca, Nico Batera, o cantor Quiqui, o saxofonista Clécio Fortuna, o trompetista argentino Juan Salazar, o guitarrista Ayres de Arruda, o acordeonista e pianista Luiz Mello, o clarinetista americano Booker Pitman. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Antônio Silvio Mantovani, o dono da orquestra, arregimentava músicos na Capital.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Tá cansado de São Paulo? – perguntava de repente. Se a resposta fosse afirmativa, ele fazia o convite: “Então, vá pra Assis”. Em 55, a indagação seria feita a Casé.<br /><br />Um ano antes, de volta do Iraque, o saxofonista juntara-se ao conjunto do pianista Robledo, atração de algumas das mais caras boates da época – a Arpège, a Esplanada e a Oásis. Eram pontos de encontro dos sobrenomes que habitavam as colunas sociais - Crespi, Matarazzo, Calfat, Pignatari. Os ricaços aplaudiam o grupo de Robledo e o contratavam para festas promovidas nas suas mansões.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Uma dessas recepções foi promovida por Ciccillo Matarazzo. A grã-finagem chega, bebida boa escorre para dentro dos cristais, e na sala principal o conjunto de Robledo anima a noitada. Harmonias requintadas feitas por uma “cozinha” segura e moderna oferecem amparo confortável para os solos do piano e dos sopros. Empunha os saxofones uma dupla de respeito: Casé no alto, Bolão no tenor. Aplausos mais que merecidos, muitas vezes puxados pelo conde Ciccillo, homem culto, amigo das artes, que num dos intervalos levou os músicos para a sua galeria particular. Todos aqueles mestres de variadas escolas da pintura diante de um Bolão curioso e pasmo:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Ô, Ciccillo, por esse você pagou mais de dez mil cruzeiros, hein?</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >De Casé não se ouviu mais que uma risadinha contida. Nenhum comentário. Manteve-se no mesmo silêncio em que mergulhava nos camarins das boates durantes os momentos de descanso, o oposto do arrojo e virtuosismo que exibia ao soprar o instrumento. “Esse cara só pode ser um extraterrestre”, imaginava Bolão, ao observar o parceiro de sopro. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >No conjunto de Robledo o dinheiro era bom. Nem assim Casé ficou. Começou a faltar, e um dia desapareceu de vez. Não foi difícil localizá-lo, depois, tocando para as garotas do Cuba Danças. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >No ano seguinte, 1955, no Ponto, ouviu de Mantovani a mesma pergunta tantas vezes feita a outros músicos: “Quer passar um tempo no interior pra descansar de São Paulo?”. A proposta parecia interessante: uma boa orquestra numa cidade sossegada, na divisa com o Paraná, a poucos quilômetros do rio Sussuí. Ensaios duas vezes por semana, no clube ou na boate Don Juan, do trompetista Salazar. Perfeito. Negócio fechado. Ao chegar a Assis, Casé avistou um rapaz parecido com ele – branco, pequeno, magro, tímido. Era de Sorocaba e se chamava Arnoldo. Certamente perderia o posto de saxofonista alto para o imbatível músico recém-contratado. Sem problema: Casé tornou-se segundo tenor e tratou de ir atrás de moradia. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Alugou uma vaga de pensão na Avenida Rui Barbosa. O “quarto mobiliado”, conforme o anúncio da placa afixada na entrada da casa, tinha um criado-mudo e duas camas – uma para ele, outra para o pianista Luiz Mello. A dupla era equilibrada: um muito falante, o outro extremamente calado. Vidinha mansa: nos fins de tarde, aperitivo no bar Seleto, cujo dono, Tomé, era amigo dos músicos; nas noites de folga, serenata nas janelas das moças mais requisitadas da cidade; às vezes um cineminha. Numa sessão, assistida ao lado do saxofonista Clécio, um documentário sobre os marcos históricos de Roma precede o filme. Imediatamente, Casé se lembra da passagem pela Itália a caminho do Iraque e deixa escapar uma revelação: </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Já dei uma mijada ali, ó – diz, apontando para a tela que estampa o Coliseu. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Outro passatempo interessante era ir à gafieira Diesel, na Vila Xavier, animada por um grupo de oito músicos, entre eles o sapateiro Cornélio Fortuna, pai de Clécio. De repente, um murmúrio corria na gafieira: “O Casé tá aí”. Estava mesmo, e só para se divertir.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Os companheiros mais constantes nas pescarias eram Marinho, Luiz Mello, Nico Batera e Quiqui. Não raro voltavam, felizes e ruidosos, entre duas e três da manhã. Iam para a casa de Marinho. Adibi acordava e ia para a cozinha fazer arroz, salada e peixe frito para os marmanjos.</span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEim88rRZg6ij1IW6PEMd0ztu01gdIu8nB048NebG5VWyBeR9IzOX7RiaFJ4-8fp7V3Xjx0v_UKonk6t-9VEr3NPh2iNb2Nvj_hR0SiFLrobR7zrnlpdETOgnqWsDQVPdwFEYcmYvPAqGSSx/s1600-h/cap10a.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329760450785348786" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEim88rRZg6ij1IW6PEMd0ztu01gdIu8nB048NebG5VWyBeR9IzOX7RiaFJ4-8fp7V3Xjx0v_UKonk6t-9VEr3NPh2iNb2Nvj_hR0SiFLrobR7zrnlpdETOgnqWsDQVPdwFEYcmYvPAqGSSx/s400/cap10a.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >O resto era música, apresentada principalmente no Paraná. Londrina, Paranavaí, Jacarezinho, Cambé, Marialva, Rolândia – e lá ia levantando poeira a Ximbica, como era chamado pelos músicos o ônibus da orquestra. Pedidos de bis para uma seleção de valsas francesas em Ibiporã, para uma de sambas em Maringá, para as <span style="FONT-STYLE: italic">jam sessions</span> nas domingueiras do Clube Recreativo de Assis. Depois, mais viagens e as paradas nos restaurantes de beira de estrada. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >“Minha mãe, sim, faz uma comida boa”, dizia vez por outra Casé aos colegas. Ele não era, em absoluto, um <span style="FONT-STYLE: italic">gourmet</span>. Tinha lá suas preferências, é claro. Em Assis, vivia à procura, em vão, de um <span style="FONT-STYLE: italic">filet tartar</span> que provara na Bélgica. Mas refestelava-se com o bolinho de banana servido com arroz e feijão pela mãe de Mantovani, o patrão que se encantou com a camisa de seda, vermelha e estampada, vestida por Casé. Fizera parte do uniforme usado dois anos antes, na boate de Bagdá. Mantovani não precisou repetir o elogio. Ganhou a camisa na hora. </span><br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" style="COLOR: rgb(153,153,153)" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjltcFErkBNzlVrDS0pyG2-4xEa-Tdg4OVYTlA7gKiF-9ISUz18DlBDFqYrmjG1Xof7PqBMxT9uknct7cCk86k43juyloDCrftEUmtv2sg15P03fkGXbk7GZOUHAMwhRLjg6npLbub1bDNM/s1600-h/cap10b.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5329761063640240690" style="FLOAT: left; MARGIN: 0pt 10px 10px 0pt; WIDTH: 400px; CURSOR: pointer; HEIGHT: 288px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjltcFErkBNzlVrDS0pyG2-4xEa-Tdg4OVYTlA7gKiF-9ISUz18DlBDFqYrmjG1Xof7PqBMxT9uknct7cCk86k43juyloDCrftEUmtv2sg15P03fkGXbk7GZOUHAMwhRLjg6npLbub1bDNM/s400/cap10b.jpg" border="0" /></a><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Ele era assim, generoso. A Luiz Mello sugeria discos e dava dicas eficientes de harmonia. A Clécio, queixoso do seu precário sax nacional do qual não conseguia extrair as notas mais baixas, instruiu: “Relaxa um pouco e sopra com mais vigor que sai”. Eureca: ao retomar o instrumento, os graves passaram a brotar com a nitidez desejada. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Fazer-se entender não exigia dele e dos que o conheciam um grande estoque de palavras. Quando seu irmão Pedro, também saxofonista, chegou a Assis para se integrar à orquestra de Mantovani, o diálogo entre eles, que não se viam havia meses, por pouco não se restringiu a monossílabos:</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Tudo bem? </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Tudo. </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– E o pai? </span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >– Tá bem.</span><br /><br /><span style="COLOR: rgb(153,153,153);font-family:trebuchet ms;" >Em meio a toda essa contenção escondia-se um tipo brincalhão, gaiato, capaz de tirar da boca um palito espetado num grão de arroz para fazer o drama do tipo “meu dente caiu”. Ou de embarcar na Ximbica, após um baile em Londrina, com sorriso inocente no canto da boca e um ovo no bolso. Amanhecer invernal, vidros fechados. O ruído do motor embala o sono de quase todos os passageiros. De repente, o plácido império de Morfeu sofre o ataque de Flatus, uma espécie de, digamos assim, general romano que ocupa o ônibus com emanações pútridas. Casé reage, espatifa casca, gema e clara no chão da Ximbica. Trava-se uma luta intestina, irrespirável, entre protestos gerais e tardios.<br /><br /><br /></span>Fernando L. Barroshttp://www.blogger.com/profile/05405542193048821660noreply@blogger.com1