28 de abril de 2009

Capítulo 19

Ditadura, calouros e bailarinas

O Brasil entra no período ditatorial de 1964. O repertório político fica mais próximo das polcas militares do que dos improvisos jazzísticos e das harmonias bossa-novistas. Nessa fase de brabeza, também os músicos dançam miudinho. Uma vez por ano são obrigados a se apresentar à Polícia Federal para renovar uma carteira expedida pelo Departamento de Censura de Diversões Públicas.


A essa altura, o acordeonista e pianista José Batista da Silva, o Zezinho, já comandava o quinteto formado para tocar no programa de Silvio Santos na TV Paulista. Juntar o grupo foi fácil. O pernambucano Zezinho convidou o trompetista Dorimar, o baixista Gerson e o baterista Edilson. Para o sax, chamou o músico que, assim como o conterrâneo trombonista Bil, ouvia falar desde o tempo em que vivia no Recife: Casé.

Zezinho levou os colegas, um a um, à sala de Silvio para fazer o acerto durante uma conversa muito objetiva: cada músico deveria chegar à emissora às 11 horas do domingo. Entraria no palco ao meio-dia para acompanhar calouros e artistas, que levavam arranjos para leitura à primeira vista. Tudo sem ensaio, com uma ou outra introdução escrita pelo maestro. Mais adiante o conjunto tornou-se meia orquestra, com o acréscimo de mais um sax, um piston e dois trombones, e andou fazendo bailes. Lançou uma série de LPs pela Chantecler - Zezinho e seu sambalanço, Os craques da música e É uma brasa para dançar em dois volumes. Casé participou apenas do segundo, uma coletânea do iê-iê-iê que tocava no rádio em 1967, com arranjos opacos para respaldar abundantes solos de órgão. O saxofonista já não mais prestava serviços regularmente a Silvio Santos. Zezinho continou no programa e, embora apenas parcialmente, tornou-se muito conhecido dos telespectadores. Era dele a mão que, em close, acionava as teclas do piano no quadro Qual é a música?

Fora do programa de tevê, Casé continuou atuando sem vínculos, como de costume. Elly estava sempre à sua espera, havia um programa de televisão para fazer aqui, um baile ali, uma orquestra montada às pressas para acompanhar um cantor estrangeiro, e a vida continuava. Trabalho não lhe faltava. De repente, o telefone tocava e, pouco tempo depois, sem ensaio, ele entrava no ar pela TV Tupi, participando como substituto da orquestra de Elcio Alvarez. Em seguida, a turma ia para a Padaria Real, ao lado da emissora, na esquina da Dr. Arnaldo com Alfonso Bovero, ponto de encontro de artistas e técnicos.

Um dia, por volta de 11 da manhã, as bailarinas Lindinha e Sonia Gallo conversavam na Real encostadas num freezer da Kibon. Eram jovens, alegres, uma de minissaia, outra de calça boca-de-sino, ambas de blusa de alcinha e sem sutiã. Lembravam às gargalhadas de um programa que haviam feito, levado até o fim mesmo depois de Lolita Rodrigues ter despencado dum balanço em meio a uma inspirada interpretação de La Violetera.

– Vou te apresentar a um maestro - disse Lindinha à amiga, e apontou para Casé, vestido com uma camisa quadriculada de mangas compridas apesar do calor.

Os três procuraram uma mesa. Ele agarrava uma pasta com uma das mãos e um copo com a outra. A Sonia pareceu tímido, triste. A impressão mudou quando, pouco antes de se despedir, ele a cobriu de elogios. Mudou mais ainda depois que Lindinha passou a relatar à amiga detalhes de um encontro, bem mais íntimo, tido anteriormente com o músico.

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