28 de abril de 2009

Capítulo 27

Sax verde no Oba-Oba

A música popular como se acostumara a fazê-la toda uma geração de profissionais continuava a perder espaço. Lambari já fazia parte, como clarinetista, da Orquestra Sinfônica Municipal. Um dia, lembrou-se do velho amigo. Pensou em novamente tê-lo como companheiro de naipe, como nos melhores tempos da orquestra de Mazzucca. Foi à casa de dona Isabel, na Lins de Vasconcelos. Ao se aproximar, ouviu o som de um clarinete. Só teve coragem de tocar a campainha quando os exercícios, tocados à perfeição, pararam de ser repetidos. Esforçou-se para convencer Casé a se inscrever na Sinfônica, que faria testes dentro de vinte dias. Não conseguiu.

No mesmo ano, Zuza Homem de Mello foi incumbido de produzir o segundo O Fino da Música, série de shows promovida pela Rádio Jovem Pan no Anhembi, entre maio em julho de 77. Responsável pela programação musical, idealizou um quinteto só de saxofones, liderado por Casé, de quem era admirador desde o tempo do quarteto de Dick Farney, da orquestra de Silvio Mazzucca e da boate do cassino de Poços de Caldas, cidade onde passara fins de semana vinte anos antes.

– Eu tocaria, mas acontece que estou trabalhando na boate do Sargentelli e não posso faltar.

Zuza insistiu:

– Manda substituto só por um dia, monta um grupo com os músicos que quiser, faz o repertório que você quiser. Vai ser importante, você vai ser destaque no espetáculo.

Nenhum argumento foi capaz de demovê-lo da recusa, mais uma ante a possibilidade de brilhar à frente de um grupo, de se expor, se projetar.

A essa altura, com dona Isabel, a irmã Marly e a sobrinha Vanessa, estava morando num apartamento grande da Rua Mário Ferraz, travessa da Brigadeiro. Foram para lá por sugestão de Marly, que trabalhava perto, no Sindicato da Indústria Farmacêutica, na Alameda Ribeirão Preto. O pagamento do aluguel, incumbência dele, andou atrasando. Pura distração, que, ele prometeu, não voltaria a se repetir.

***

O Oba-Oba, aberto na Avenida Paulista por Oswaldo Sargentelli, mantinha um plantel de bons músicos, que se misturavam a mulatas em shows apreciados por turistas e notívagos renitentes. Sargentelli, fã de Casé, deleitava-se ouvindo-o interpretar Andorinha, de Tom Jobim. Registrou-o em carteira por 3,5 mil cruzeiros mensais. Na casa trabalhava o trombonista pernambucano Ditinho, que chegou a São Paulo em 1960, depois de uma temporada na orquestra Nelson de Tupã. Antes do Oba-Oba, ele e Casé haviam convivido no conjunto de Zezinho, do programa de Silvio Santos.



Quando terminavam o trabalho na casa de Sargentelli, os dois iam para o Cartola, na Brigadeiro, onde tocava a orquestra de Elly. Casé dava canja e, se estivesse sem dinheiro, pedia algum ao maestro para pagar o estacionamento do carro de Dito. Mentira. Os dois atravessavam a rua e iam tomar cerveja no bar Melchi até amanhecer. Nessas ocasiões revelava-se o Casé conversador, que falava de pescarias, de arranjos, de músicos que apreciava, como o saxofonista Zé Bodega e o trompetista Broa, ambos da Orquestra Tabajara.

No Oba-Oba andou tocando com um tenor emprestado, muito velho, esverdeado de azinhavre, com furos fechados com chiclete e as chaves amarradas com barbante e elástico. O som que tirava do instrumento deixava parceiros e públicos embasbacados. Um dia Sargentelli apareceu com um alto Selmer, de última geração.

– Toma, é seu. Só quero que você venha pra fazer dois solos por noite.

Talvez o Selmer se fizesse desnecessário. O sopro que fascinava Sargenteli jamais dependeu do modelo ou do estado do instrumento utilizado. Antes e durante um baile com a orquestra de Rolero, na década de 50, Casé quebrou várias palhetas na borda de uma mesa. “São umas merdas”, ia dizendo. Depois, enchia o Parque Balneário de Santos com uma sonoridade fulminante.

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