28 de abril de 2009

Capítulo 12

Um táxi para madame

A boate Oásis funcionava no porão do Edifício Esther, na Praça da República, com acesso pela 7 de Abril e pela Basílio da Gama. Dois itens famosos no cardápio - picadinho e crêpe suzette. Para beber, champanhe e uísque importados. A fama da casa ultrapassava as fronteiras do Estado. “Neste deserto de homens e idéias felizmente ainda se encontra um Oásis – a boite mais elegante de São Paulo”, afirmava o anúncio criado em 1949 pelo Barão de Itararé, que o publicou no seu irreverente jornal carioca A Manha. Na boate se encontravam os donos de gordas contas bancárias e, atraídos por uma influente relações-públicas - a jornalista Helena Silveira -, representantes da intelectualidade como Gofredo Silva Telles, Lygia Fagundes Telles, Flávio de Carvalho, Mário Donato, Sergio Milliet, Tarsila do Amaral e Luiz Martins.


Às quatro e meia da manhã de um sábado, os clientes começam a deixar a Oásis e pedem táxis ao porteiro Divino. Ele dá o melhor de si para cumprir a missão, mas uma senhora mostra-se especialmente impaciente. “Divino, cadê meu táxi?”, ela pressiona uma, duas vezes. Na terceira ele explode:

– Mas, porra, madame!

A história circula. Era sinal de que havia ultrapassado os limites do Ponto dos Músicos a expressão criada pelo clarinetista Sérgio, irmão do maestro Elcio Alvarez. No intervalo entre uma e outra seleção de um baile em Machado, sul de Minas, aproxima-se do palco um casal da elite local para falar com o clarinetista. Ela pede um tango. Sérgio estranha:

– Mas, porra, madame! Tango sem bandoneón?

A frase dita por Divino à dondoca torna-se um bordão imediatamente adotado pelos músicos, a começar por Casé, que aliás mais de uma vez substituiu Sérgio na orquestra de Elcio. Numa delas, em 57, quando Alvarez comandava um curto programa diário de música instrumental, ao meio-dia, na TV Tupi, Casé chegou carregando o sax. Havia à sua espera um arranjo difícil para clarineta. Calmamente, ele leu tocando no alto.

Como conseguia? “Não tem milagre: estudando”, era uma das respostas de quem fora aluno de do clarinetista Antenor Gargante e do musicóloco alemão Hans-Joachim Koellreuter. “Leio uns quatro ou cinco compassos na frente”, era outra explicação. Mais uma: “Exercitei bastante a mão esquerda.” Durante um encontro no Ponto, o trompetista Buda contou-lhe que vinha mergulhando nos solfejos do método Bona. “Então agora faça um tom acima”, disse-lhe Casé. Buda trabalhou de 1957 a 2003 com a orquestra de Sylvio Mazzucca, pela qual passaram grandes músicos.


Em 59, estavam todos postados num estúdio diante de uma lenda: o maestro Lirio Panicalli, que escreveu e regeu arranjo para um samba. “Gravando!”, avisou o técnico, e Casé, por sua conta e risco, tocou uma nota diferente da que estava na grade. Depois, timidamente, aproximou-se com a partitura na mão e justificou-se: “Maestro, aqui eu pus essa nota.” Panicalli, também humilde: “E você está certo.” Para os maestros, ter Casé na execução dos seus arranjos era um privilégio, conforme ficou claro durante uma gravação feita pela orquestra de Enrico Simonetti no estudio da Polydor, na Rua Senador Queiroz. O saxofonista arrasou logo ao passar o arranjo pela primeira vez. Ao maestro italiano, a peça se tornou irreconhecível.

– Meu Deus do céu! Eu não sabia que tinha escrito isso aí!

Nenhum comentário:

 
`