28 de abril de 2009

Capítulo 18

Silêncio oriental

O contrabaixista Minoru Shioda chegou ao Brasil em 1959, aos 30 anos. No Japão do pós-guerra, fazia jazz em clubes, hotéis e bases militares americanas. Arranjou trabalho em São Paulo. Numa noite de 63, enquanto tocava no Black Jack, na rua Ceci, perto da TV Record, viu Ratinho entrar. O baterista vinha convidá-lo a juntar-se ao conjunto de Casé. Shioda começou a fazer na casa dos Godinhos, no Cambuci - agora na rua Lavapés -, os ensaios que também podiam ser realizados no Clube Banco do Brasil, no Bom Retiro. Inicialmente o baixista estranhou o jeitão de Casé. Não limpava o instrumento depois de tocar, largava-o num armário sem portas e em seguida convidava os colegas: “Vamos pro Ponto?”. Logo, porém, tornaram-se bons amigos.

Por intermédio de Shioda e de outro baixista japonês, Hidenori Sakao, abriu-se para Casé uma visão oriental de mundo. De carro, apanhava Shioda em casa, na Liberdade. “Vamos para um lugar onde não tenha músico, agitação, nem ruído”, determinava. E tomava o rumo de restaurantes japoneses na Alameda Santos ou na 13 de Maio. Bebia, manuseava os palitos, mas o melhor de tudo era o fato de os japoneses não lhe estranharem o silêncio. Ele era assim, e assim era aceito pelos novos amigos.

O conjunto ia bem, obrigado. Gravou, em 63, Meu baile inesquecível, pela RGE, que reuniu as orquestras de Dick Farney, de EÉlcio Alvares e a de Pocho, o grupo de Luiz Loy e o Arpége, os Guarujá Boys e o Conjunto de Ritmos OK. O disco vinha reforçar o esquema de vendas de bailes de Waldomiro Saad. Repertório à la carte: Casé gravou Summertime, Dick optou por Aquelos Ojos Verdes e Meditação, Elcio Alvares por temas de seriados americanos de televisão e assim por diante. A Pocho coube O RabinoQquer nos Ver Alegres.


Surgiram novas propostas de trabalho, uma delas para uma temporada em Campos do Jordão. Tudo se desenrola em paz na primeira semana. Na segunda, o saxofonista aparece no Ponto. Encontra-se com o trombonista Walter Azevedo, então começando a carreira. Faz um comentário enxuto sobre Campos - “é frio demais” - e outro para chegar a uma conclusão: “Não dá”. Pediu a Azevedo para ir representá-lo.

Ainda em 63, o grupo fez temporadas em Poços de Caldas e, em São Paulo, no Ichiban, aberto por Toshiro Ono, ex-dono do Black Jack. Ficava na Álvaro de Carvalho, atrás do Claridge. O saxofonista Sadao Watanabe apresentou-se por lá. Ex-aluno de Charlie Mariano em Berkley, não disfarçou a admiração diante da facilidade com que o colega brasileiro, formado no circo, no baile, na noite, tocou os mesmos instrumentos que ele. Modesto, Casé devolvia-lhe a flauta e dava um jeito de justificar a sonoridade que acabara de tirar:


– Puxa, é só passar um vento que essa flauta toca sozinha...

Enquanto isso ele flanava. Podia trabalhar na orquestra que estivesse de plantão no Avenida Danças, fazer substituições em outras - como as de Waldemiro Lemke e Luiz Arruda Paes –, acompanhar artistas como Angela Maria ou atuar em produções mais elaboradas. Numa delas, participou no Municipal de um espetáculo que mesclava jazz com erudito, numa orquestra dirigida pelo baixista Tibor Reisner. Ao seu lado, o saxofonista Alfredo Sanjorgio observava a naturalidade com que, após o trabalho, Casé migrava de uma sóbria dieta à base de leite para amplas goladas de martíni.

O conjunto de Casé durou pouco mais de quatro anos. Uma eternidade para quem, como ele, rejeitava quase tudo o que parecesse definitivo. A gota d´água caiu durante uma domingueira no Clube Badaró, na 24 de Maio. A turma toda apareceu no horário marcado - menos Adolar, amigo do peito, tenorista que entendia a importância de tocar junto, de pôr a música acima do ego. Havia morrido na véspera, em meio a um baile que fazia em Santos. O grupo tocou com eficiência até chegar a sempre aguardada Harlem Nocturne, que o solista, em lágrimas, não conseguiu concluir. Daí para a decretação do fim do grupo foi um pulo.

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