28 de abril de 2009

Capítulo 29

Um dia de tensão

Mesmo à distância, ele continuava ligado à família. Recebia telefonemas de Vanessa. Prometia-lhe visitas, assim que ganhasse um dinheiro levaria um presente. Na manhã de 29 de novembro, Dalva relatou a Isabel um sonho em que o irmão surgiu deitado no chão. A pedido da mãe, foi ao Luiz de Camões, acompanhada por Eduan, o filho de sete anos. Não gostou do que viu. Um ambiente cinzento, atravessado por olhares de soslaio. O porteiro lhe informou que o hóspede estava dormindo, e o fato de ter barrado a entrada de Dalva mereceu elogio de um homem que veio do fundo do hotel:

– Fez bem.

Nisso, toca o telefone da portaria. É Casé. Informado da presença da irmã, pede-lhe para comprar cigarros. Ela atravessa a rua, volta com dois maços de Continental e sobe um lance de escada. Percorre o apartamento com os olhos, vê sapatos enfileirados fora do armário e a mala sobre a cama. Observa o irmão: ele veste calça branca e camisa riscada de vermelho, está abatido, parece estar intranquilo e, fato raro, com a barba por fazer. Dalva tenta chegar à porta do banheiro, ele estica a mão e a impede de passar.

– Vai embora, Dalva. Não fique nem mais um minuto aqui com esse menino, por favor.


À tarde, com a mesma roupa, ele foi ao apartamento da mãe, na Vila Clementino. Ardia sobre um prato uma vela de sete dias acesa por dona Isabel.

– Você sumiu. O que aconteceu? – ela quis saber.

– Mãe, alguém andou me procurando? Ninguém pode saber que eu estou aqui.


Falava olhando para os lados, em movimentos nervosos. Foi até o fundo do apartamento, parecia fazer uma vistoria apressada.

– Tô com vontade de comer aquela abobrinha batidinha que a senhora faz. Tô até sentindo o cheiro.

Isabel se dispôs a ir para a cozinha. Não houve tempo. “Não deixe porta, janela, nada aberto”, ele recomendou, antes de descer cinco andares para atingir o térreo. Na rua, um táxi o aguardava.

***

A seu pedido, às 18 horas Mara chegou ao hotel. Ele a esperava na porta, queria jantar. No bar, pediu arroz, feijão, brócolis na manteiga e um bife pequeno. Comeu pouco. Enquanto a comida esfriava, Casé esforçava-se para confessar: estava amargurado, preocupado com a mãe; sentia-se mal. Pediu martíni e um limão partido, que salgou e chupou entre talagadas da bebida.

– Vamos para a minha casa – ela disse.

– Amanhã, sem falta, eu vou e fico por lá.

Passava das 23 horas. Mara voltou para São Bernardo, e ele, antes de se recolher, ficou na portaria do hotel com o recepcionista Arlindo. Assistiram pela tevê a um trecho do filme Holocausto.

Um comentário:

Tayrone Mandelli disse...

Já conhecia o trabalho do Casé, e cada vez que ouço, fico mais encantado com sua delicadesa de frasear, com sua criatividade ao improvisar,com seu timbre maravilhoso, não é como alguns saxofonistas americanos que ouço e fico intediado. Ele trata o saxofone com respeito e carinho, suas frases são bem colocadas e na linguagem do jazz e em qualquer tipo de linguagem. Gostaria que um trabalho como esse, tivesse o seu lugar de destaque no mundo, nem todos sabem de sua importância, muito menos os norte americanos que cantam seus óvos aos quatro ventos, tenho orgulho que esse "cara" com todo respeito é Brasileiro e que morreu muito cedo pela brutalidade de um imbecíl, Casé é um mostro sagrado do saxofone e um gênio da música no brasil, jamais tivemos um talento com tamanha grandesa.(desculpem os outros saxofonistas) mas ele abriu caminhos para todos nós.

Tayrone Mandelli (Florianópolis)

 
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