28 de abril de 2009

Capítulo 6

Paletó e calça curta

Em 1945, Godinho foi a São Paulo à procura de couro mais barato para a sapataria. Levou Clóvis, que em três tempos foi convidado a fazer parte da orquestra da Rádio Record. Daí a semanas, adeus Usina Junqueira: a família estava em novo endereço, na Rua Mesquita, Vila Monumento, São Paulo.

Clóvis tinha 17 anos. Para trabalhar na Record precisou do alvará do Juizado de Menores, providência repetida ao se transferir para a Rádio Tupi. Uma das formações era liderada pelo maestro Francisco Dorce, autor de arranjos que privilegiavam metais e madeiras.

Uma tarde, no auditório da Tupi, enquanto os instrumentistas se acomodavam atrás das estantes, Clóvis chegou. Não estava só. Trazia o irmão para submeter-se a um teste. Acabrunhado, entre mais de trinta músicos de primeira linha, Casé passou a tocar a melodia contida na partitura apresentada por Dorce. Foi um choque. Leitura à primeira vista, um som arrebatador, ao término do qual se fez um silêncio reverencial. Perto do candidato estavam profissionais respeitados, do porte de Renato Cauchioli.

Talvez por herança do bombardino, que começou a tocar ainda na infância, nas bandas de coreto de São Miguel Arcanjo, interior de São Paulo, Cauchioli era admirado pela maciez do som que tirava do trombone. “Esse menino é um músico maravilhoso”, pensou, ao ouvir Casé pela primeira vez.

Dorce imediatamente contratou o recém-chegado, que se tornou o primeiro sax alto da orquestra. Daquele momento em diante, quem passaria a puxar o naipe seria, com autorização do Juizado de Menores, um menino de 13 anos. Usava paletó e calça curta.



Com Clóvis, passou a protagonizar uma série de feitos incomuns, sempre comentados pelos músicos da cidade. Falava-se que eles não brincavam, como se esperava de meninos daquela idade. Enquanto estudavam na casa da Vila Monumento, os irmãos menores se divertiam com traquinagenss como a de encaixar Marly, a caçula, num pneu que empurravam ladeira abaixo.

Numa tarde de sol, Waltinho, Pedro, Sebastião e a molecada do bairro suam a camisa no treino que antecede o jogo contra a arquirrival equipe da Vila Teodoro. Embora o desfecho seja previsível – pancadaria da grossa, com resultado justo ou não -, o clássico exige preparação séria. E aí, surpresa!, um novo jogador se apresenta. Ele mesmo: Casé. Imediatamente admitido a adentrar as quatro linhas, intriga os parceiros nem tanto pelo despreparo físico e completa falta de intimidade com a redonda. Na verdade, o que desperta curiosidade é o traje escolhido pelo atleta para a estreia em campo: calção e paletó. Poucos minutos depois é convidado a desistir de uma vez por todas do esporte-rei.

A infância de Casé e Clóvis se dividia entre o trabalho e os estudos. Em raras escapulidas, Clóvis nem surpreendia quando entrava em casa acompanhado por bichos achados na rua. Alguns chegaram a gozar períodos de pensão completa. Por isso mesmo o rapaz continuou investindo com entusiasmo no amparo a animais sem-teto. Teve, porém, a missão interrompida por dona Isabel. Era compreensível: não haveria na casa vaga apropriada para os dois últimos apadrinhados do filho - um cabrito e, mais adiante, um macaco.

Tempos depois, Casé as adoções zoológicas voltaram a ser assimiladas. Um dia, Casé apareceu com uma cachorra marrom na casa do Cambuci para onde a família se mudara, no n° 133 da rua Teixeira Mendes. “O que é isso?”, quis saber dona Isabel. “É a Guiomar.” Novamente a fauna cresceu. Ao todo, sete gatos e sete cachorros. Um deles, Marquês, foi cuidadosamente treinado por Casé para capturar passarinhos. Situação de mal-estar com a vizinhança só houve no dia em que o cão dizimou o galinheiro do Colégio Marista. O adestrador jurou inocência.

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